O Acordo Ortográfico de 1990 inclui no alfabeto as letras k, w, e y. Não é preciso dizer que eram sempre lembradas, quando se contavam 23 letras, para serem utlilizadas com nomes estrangeiros e derivados portugueses (Kant, William, Yach, kantismo), e de certas abreviaturas e símbolos internacionais (k= potássio, km= quilômetro). Com a inclusão definitiva destas três letras, o nosso alfabeto passou a 26 símbolos gráficos. Esse fato suscitou algumas dúvidas a alguns de nossos leitores a que passaremos a responder.
A primeira novidade é que, numa enumeração mediante letras, teremos de levar em conta obrigatoriamente esses novos integrantes, procedimento até então desusado: ao se chegar, na enumeração, ao J, pulava-se o K, o mesmo se fazendo quando se chegava ao V, pulava-se o W, e depois do X, como Y. Uma professora de Ensino Fundamental pergunta como ficam as vogais e as consoantes. A rigor, é um aparente problema; isto porque quando se entra nessa questão, teremos de distinguir dois conceitos diferentes em que se há de tomar a palavra ‘letra’: como sinal gráfico integrante do nosso alfabeto para representar na escrita um som ou mais de um som do nosso sistema fonético; ou como o nome desses mesmos sons.
Expliquemo-nos: pela letra S, pode-se aludir ao som fricativo alveolar surdo em ‘seda’, ou ao som fricativo alveolar sonoro na palavra ‘casa’. Por letra se pode entender uma unidade gráfica (e aí se relaciona com ortografia), ou uma realidade sonora (e aí se relaciona com a fonética). Durante muito tempo se fazia confusão desses dois conceitos, mesmo em trabalhos gramaticais. A primeira distinção foi feita pelo alemão Franz Bopp, em 1833, na sua Gramática Comparada das línguas indo-europeias. Apesar deste avanço metodológico, até hoje a elementar distinção entre letra como sinal gráfico e como unidade de som da língua não se faz com muita frequência, produzindo dúvida na atividade de professor e na elaboração de livros escolares. Ainda em obras escritas perto de nós lê-se que em português há cinco vogais (a, e, i, o, u), quando, na realidade, temos sete vogais orais tônicas (a, é, ê, i, ó, ô, u), representadas por cinco letras vocálicas a, e, i, o, u: casa, sede(é), sede(ê), vivo, pode (ó), povo(ô), uva. Às vezes, por convenção ortográfica, entra a participação de sinais gráficos para finalidades diversas: ‘café’, ‘você’, para assinalar a vogal da sílaba tônica; ‘pôde’(pretérito perfeito) função distintiva de ‘pode’ (presente do indicativo). Para marcar a incômoda duplicidade de “letra” nesses casos, passamos a usar “grafema” para designar a unidade de escrita, e “fonema” para a unidade de som da fala. Para referir-se a este último conceito, os livros técnicos utilizam as barras inclinadas (//) para aludir aos fonemas; assim temos cinco letras (a, e, i, o, u) e sete fonemas vocálicos orais tônicos (/a/, /é/, /ê/, /i/, /ó/, /ô/, /u/). Há ainda representações gráficas diferentes para a distinção dos fonemas abertos e fechados, a que não nos referiremos aqui.
Concluímos que é fácil dissipar a dúvida referida pela nossa leitora: a letra K representa o mesmo fonema do grafema C antes de nossas palavras ‘casa’, ‘colo’ e ‘curva’, e portanto integrará o grupo das consoantes;o Y, valendo/i/, integrará o grupo das vogais; o W, nas palavras de origem inglesa, soará como/u/e integrará o grupo das vogais (William, show); nas palavras de origem alemã, soará /v/ e integrará o grupo das consoantes (Walter,Wagner).Com menos frequência o grafema Y, além de representar o fonema /i/, pode fazê-lo mediante o grafema J, de, por exemplo, ‘jogo’, quando, nos nomes estrangeiros, estiver seguido de A, como o nome próprio indígena ‘Yaci’, ‘Iaci’, ‘Jaci’, e no nome inglês ‘jarda’, da abreviatura yd (yard). Também o W alemão pode estar representado na escrita por gu: Walter/Válter/ Gualter;Guilherme, guerra.
O Dia(RJ), 8/1/2012