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Ficção científica

 

Não sou curtidor do gênero, não acredito em disco voador nem em horóscopo. Contudo, e apesar das maravilhas tecnológicas e científicas de nosso tempo, considero que ainda estamos na era das cavernas em matéria de conhecimento do mundo físico em que estamos instalados.

E pouco ou nada conhecemos a nosso próprio respeito. Dias desses, vi na tevê um documentário sobre o padre Landell de Moura, o verdadeiro inventor do telefone, do rádio e de outras técnicas, sendo anterior a Marconi e Graham Bell.

Até hoje o avião tem paternidade contestada. Para nós, brasileiros, e para a França, a invenção foi de Santos Dumont, mas no mundo anglo-saxônico a prioridade ainda é dos irmãos Wright.

Isso nada tem a ver com o meu assunto de hoje. A ciência e a técnica não são um campeonato para a gente saber quem chegou em primeiro lugar.

O pouquíssimo que sei a respeito não merece memória. Mas lembro que, em 1938, durante o campeonato do mundo daquele ano, disputado na França, eu era criança ainda, fiquei pasmo quando ouvi a transmissão do jogo final entre Brasil e Itália pelo locutor Gagliano Neto, no rádio do Packard do padre Newton, que mais tarde seria o primeiro arcebispo de Brasília.

Na fazenda de Itaipava, onde passávamos as férias, não tínhamos telefone, rádio nem luz elétrica. Foi quando ouvi pela primeira vez a expressão "ondas eletromagnéticas".

Passava as férias conosco o padre Lucas, um mulato alto e culto, foi assistente do professor Ernesto Faria na antiga Faculdade Nacional de Filosofia e já inventara o "melógrafo", uma máquina que escrevia pautas musicais, dispensando os copistas que trabalhavam em páginas já com as cinco linhas do pentagrama impressas.

Era uma máquina de escrever com teclado especial, que registrava as notas musicais com seus respectivos sinais: breve, semibreve, colcheia, semicolcheia etc.

Foi dele que ouvi a primeira noção do eletromagnetismo aproveitado por Marconi na transmissão sem fio, que possibilitou o rádio, o telefone, a televisão, os celulares, os iPads etc. Padre Lucas tinha uma teoria que me impressionou.

Tudo neste mundo possui e emite ondas eletromagnéticas: um peixe na água, uma criança no berço, um avião no espaço. O problema é captá-las. As primitivas válvulas foram aposentadas pelas inúmeras conquistas tecnológicas, como os transistores, os chips etc.

Cada gesto do homem e cada volume das coisas emitem ondas que se propagam infinitamente pelo espaço, funcionando como transmissores. O problema é descobrir os receptores adequados para as faixas respectivas. Posso aqui do meu escritório acessar a BBC ou o programa do Faustão, basta mudar de canal ou de estação.

Até aí, estamos no terreno da técnica atual. Mas como as ondas são infinitas, elas se propagam infinitamente. A Guerra do Peloponeso, a morte de César, a crucificação no Calvário, o naufrágio do Titanic e o gol de Gighia, o nascimento de cada um de nós foram acontecimentos que vibraram o ar e estão por aí, bastando que um desocupado perseverante descubra o respectivo receptor que captará as ondas eletromagnéticas de cada gesto ou acontecimento, acessando os trilhões de trilhões de canais que se espalham pelo Universo inteiro, em frequências proporcionais à distância e às condições do tempo.

Os casos paranormais e alguns fatos considerados milagrosos, descontados os charlatões e os histéricos, terão uma explicação que a técnica irá aperfeiçoando.

Se eu dispuser de um receptor adequado e acessar um determinado fato, sabendo o seu número ou a faixa transmissora, poderei ver na telinha onde estão finalmente os ossos de Dana de Teffé. E Pilatos, o Pôncio, lavando as mãos numa bacia.

Aliás, quando dom Pedro II visitou Graham Bell e ouviu uma voz no primeiro telefone, aterrorizado, avisou ao inventor: "Tem um homezinho escondido aqui dentro!". Como disse, estamos na era das cavernas.

Se Napoleão visse um micro-ondas aquecendo sem chamas uma costeleta de carneiro, teria ganho a batalha de Marengo e perdido a batalha de Waterloo, mas seria um outro homem, sobretudo se pudesse ter visto, e não apenas sabido, das prevaricações de Josefina.

Folha de São Paulo, 6/1/2012