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Qual é essa de “eu te amo”?

 

Certos escritores, como eu e alguns amigos meus, têm dificuldade em planejar o que produzirão. Podem escolher assunto, fazer esquemas ou até diagramas, mas frequentemente um outro assunto se intromete onde não foi chamado, ou um personagem resolve adquirir autonomia e caprichos: o autor quer casá-lo, ele não casa, quer que ele morra e ele não morre e assim por diante. O resultado acaba por ser uma surpresa para o próprio escritor. Hoje mesmo está sendo assim. O título aí em cima não tem nada a ver como que eu pretendia (e ainda pretendo, se não houver outros percalços) abordar hoje, mas foi digitado quase em piloto automático. Quando dei por mim, já estava ele aí.

É o seguinte. É que, até o momento em que escrevo, ainda não foi dispensado esse ministro parlapatão, que veio a público vociferando bravatas arrogantes e se apresentando como o durão aqui do pedaço, um exemplar cafajeste que certamente se acha sensível e deve cantar Chão de Estrelas em serenatas partidárias, chorar em cerimônias escolares e mandar “um beijo no coração” de correligionários fiéis. Se eu fosse a presidenta, a demissão viria mais rápido do que a bala que ele afirmou ser necessária para sua saída, por falta de propriedade, senso comum e educação, para não falar em intimidade indevida, com um tuteio insolente e grosseiro, que sugere uma proximidade inexistente, quase promiscuidade, tratando-se da chefa do Executivo. “Eu te amo” à presidenta, uma conversa;  "eu te amo” lá pras suas negas. Até Marilyn Monroe, que era Marilyn Monroe, quando cantou parabéns para Kennedy, entoou “happy birthday , Mr. President” e não o “dear John” ronronado a que, dizem por aí, ela até tinha direito.

Isso para só ficar num aspecto, porque, de resto, a defesa deletem-se constituído, como já é de praxe, em negativas indignadas e invectivas contra a imprensa. Trata-se, segundo ele, de denuncismo. Conversa velha de quem não tem nada a dizer. A não ser que tudo o que venho lendo e vendo sobre o assunto tenha sido forjado, está patente que elementiu. Mentir oficialmente , na condição de ministro de Estado, devia ser mais que suficiente para cartão vermelho. Devia também dar processo e cana dura, embora, naturalmente, na atual conjuntura, isso seja incogitável. E, de qualquer forma, mentiu. Cadê o mais que justificado – perdão, senhoras – pé na bunda? Estão talvez organizando uma cerimônia saideira, como aquela em que o ex-ministro dos Esportes foi aplaudidíssimo e só faltou receber uma condecoração, com foguetório e banda de música? Dizem que a presidenta (geralmente escrevo “a presidente”, mas hoje precisei enfatizar o gênero dela) está preocupada em não deixar que a imprensa faça demissões ou force saídas. Mas não é a imprensa que demite ou força renúncias. São os fatos comprovados. Se se tratasse da mera vontade da imprensa ou de denuncismo gratuito, não haveria respaldo para as acusações. A imprensa está cumprindo seu papel, espelhando o que ocorre no País. Todo mundo sabe que se rouba em tudo quanto é canto, de todas as formas imagináveis. Rouba-se tanto, de clipes de papel a centenas de milhões de reais, que seria impossível levantar tudo. Portanto, o “denuncismo” não vai parar tão cedo, todo dia brotam ladroeiras novas.

Tem a famosa governabilidade, responsável pelo estabelecimento de níveis assombrosos de cinismo, cara de pau e falta de princípios, que já eram altos antes, mas que atingiram novos patamares durante os governos de Lula. Os partidos não querem dizer nada, a não sera aglomeração de interesses empreguistas, clientelistas e de locupletação mesmo. Para satisfazê-los, é só distribuir colocações, posições, empregos, mamatas, sinecuras, ardis fiscais, truques salariais e outras benesses do poder em que a nossa república abunda. Estado é de fato a Grande Teta e o poder público, em todos os níveis, uma espécie de besta disforme e meio nojentona, em que se nutrem parasitas hematófagos de todas as extrações, de vampirões federais a pernilongos municipais.  A governabilidade fica garantida assim e o pessoal adere ao governo pelas conveniências mais rasteiras. Historicamente, o Brasil foi sempre um país adesista. É costume aderir ao governo, pois fora dele, para muitos, não há salvação. Se o governo contrariar jeitosamente os partidos, eles não se rebelarão. O que é o partido X , senão os interesses de dr. Fulano, dr. Beltrano e dr. Sicrano? O indispensável é manter as bocas, isso é que é o exigido. Pela pátria, não, mas por isso eles farão sacrifícios, é pelas bocas que eles aderem e é pelas bocas que ficarão. Portanto, a governabilidade não é tão exigente. Se o governo contrariar o partido, mas, pelo outro lado, mantiver o pessoal amamentado, este permanecerá manso, quieto e obsequioso.

Agora vocês vejam como são as coisas. Falei em amamentação logo acima certamente movido por uma associação inconsciente. É que meu assunto hoje era bem mais ameno. Era peito. Isso mesmo, peito, mama. E mama feminina, pois continua válida, pelo menos para a suposta maioria, a observação de que, no  homem, ela nem é útil nem ornamental. Eu pretendia coligir alguns pensamentos que me ocorreram, ao ver novamente mulheres de peito de fora, em manifestações na Europa. Fiquei matutando sobre o que é um peito hoje, em comparação com um peito há não tanto tempo assim. Creio que minhas reflexões ou reminiscências ecoarão até entre os mais jovens, que, sustento eu, têm, sem dar-se conta, nostalgia por tempos mais recatados, ou pelo menos não tão escancarados. Afogados em peitos e traseiros expostos de todas as formas e por todos os lados, tenho certeza de que há muitos entre vocês que querem de volta suas boas e velhas repressões, era muito mais divertido.

Trato disto na próxima semana, se os ministérios permitirem.

O Globo, 20/11/2011