Foi uma agradável surpresa a visita feita à cidade de Campinas (SP), para falar na Academia de Letras local, com um tema que me é extremamente familiar: a escritora Rachel de Queiroz, conferência, proposta pelo presidente Agostinho Tavolaro, foi desenvolvida para os acadêmicos campinenses, presentes em sua grande maioria, e um público que não arredou pé, apesar da ameaça de temporal. Foi uma noite extremamente agradável.
No belo prédio de estilo grego clássico, cedido à Academia Campinense pela Prefeitura, comecei provocando o escritor Rubem Costa (92 anos), que, com enorme lucidez e bom humor, defendeu a solidão como forma de inspiração. Tomei como exemplo a escritora homenageada e demonstrei que ela sempre fora gregária, amiga de muitos amigos, com os quais costumava conviver primeiro na Livraria José Olympio dos áureos tempos, depois nas sessões das quintas-feiras da ABL. Tinha particularmente predileção pelos papos com Austregésilo de Athayde e Adonias Filho, dos quais se dizia irmã.
Apesar de ter produzido algumas das mais importantes obras da nossa literatura, especialmente no ciclo nordestino e a partir de "O Quinze", que escreveu aos 20 anos, logo depois de ter se formado como professora primária, Rachel de Queiroz, uma pessoa charmosa, considerava-se "preguiçosa", o que os seus íntimos discordavam. Ela entregou milhares de crônicas para a revista "O Cruzeiro", em que ocupava com brilho a última página, depois seguiu assim em "O Estado de São Paulo", ou seja, muitos anos de artigo semanal. Aqui, curiosamente, desenvolveu um estilo corajoso, criticando o que achava errado na política brasileira, da qual, aliás, não era das mais aficionadas. Ao contrário.
Quando começou a escrever o seu outro clássico, "O memorial de Maria Moura", teve que se dedicar, ao lado da sua irmã-filha Maria Luíza, por quem tinha adoração, a uma densa pesquisa linguística. Queria (e conseguiu) que todos os seus personagens falassem o português da época -e assim deu mais veracidade à narrativa. Aliás, embora ela não confirmasse, sempre achei que a brava heroína da história (Maria Moura) era o retrato da própria Rachel, indômita na defesa dos seus direitos.
Sobre esse livro, uma particularidade. Rachel não apreciou muito a adaptação feita pelos profissionais da Rede Globo. Só passou a ver uns poucos capítulos da minissérie quando soube por terceiros que a interpretação da atriz Glória Pires era algo primoroso. Talvez não quisesse se ver na televisão.
Outro registro: com o programa na maior emissora do País, sucederam-se as edições impressas do livro, o que pode levar à conclusão de que, ao contrário do que muitos pensam, as mídias são intercomplementares. Outros autores tiveram o mesmo benefício, como Machado de Assis, Jorge Amado e Erico Veríssimo, este com o seu clássico "O tempo e o vento", em que o ator Tarcísio Meira brilhou como Capitão Rodrigo. Enfim, é uma questão que certamente suscita uma boa discussão.