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"Ateou fogo às vestes"

 

Não sei se o sinal é bom ou mau. Em princípio, acho que é bom, mas não tenho certeza. Outro dia, citei aquela frase de Machado de Assis "no meu tempo já existiam velhos, mas poucos".

Parafraseando o mestre, eu diria que "no meu tempo, já havia suicidas, mas muitos". Hoje são poucos. A vida melhorou, o mundo tornou-se mais suportável, as mulheres traem menos e os homens ganham mais? Não sei.

O certo é que no passado, ali pelos anos 30 e 40, era raro o dia em que os jornais não noticiavam o suicídio de alguém, geralmente por motivos de amor ou de cama. Era impressionante o número de homens que tomavam formicida com guaraná. As mulheres, tendendo ao mais dramático, ateavam fogo às vestes.

Para citar um exemplo pessoal. Na infância, passávamos as férias de verão em Paquetá. Eu tinha nove ou dez anos e frequentava a praia dos Tamoios. Naquele ano, um sujeito de terno completo, gravata e chapéu, sentou-se num dos bancos, olhou o mundo, o mar, o céu, os coqueiros, tirou uma arma do bolso e deu um tiro nos miolos.

No mesmo verão, um senhor idoso fez o mesmo na praia de São Roque. Dois ou três dias depois, um jovem se atirou da barca na hora da atracação, foi esmagado pela quilha da veterana Quinta, barca famosa que naufragava regularmente todos os anos -viajar na Quinta equivalia a meio suicídio.

Nelson Rodrigues reclamava que no tempo dele já havia poucos suicídios. Matava-se muito por amor ou traição, mas geralmente eram assassinatos que os jornais chamavam de "passionais". A vida deve ter melhorado ou a humanidade deve ter piorado. Raul Pompeia suicidou-se por um agravo: "para provar a um jornal que não era um canalha".

Hoje, os agravos são muitos e recíprocos. E todo mundo continua numa boa.

Folha de São Paulo, 6/11/2011