A onda contra a corrupção não chegou às ruas como prevista pelos melhores arautos da nossa consciência cívica.
Nada de comum com a Marcha dos Cem Mil contra a ditadura ou com o "Fora Collor".
À exceção de Brasília, foram poucos milhares, em São Paulo, e números diminutos, no Rio.
Perguntar-se-ia, de saída, qual, de fato, o impacto de uma mobilização que passou, toda, à internet.
Em que termos ainda são limitadas as suas linhas de penetração social, ou até onde a rua continua a pedir lideranças frontais e convocatórias diretas e sumárias de protesto, em contraste com o clamor difuso dos últimos dias?
Mas o inquietante, de fato, desse balanço é atentar-se ao quanto, nestas insatisfações de agora, levantam-se clamores claramente reacionários, mostrando, até mesmo, o pior do status quo.
Diante do Brasil das faxinas, aí está o propósito declarado de alguns próximos encontros, de somar à luta contra a corrupção a campanha contra o voto obrigatório, na demonstração mais clara de como incomoda, hoje, ao velho Brasil, o povo de Lula, e a virada, de vez, das maiorias eleitorais pela mudança.
Não há, também, que atribuir o fracasso à dita falta de preparo de uma disciplina da mobilização, por grupos e subgrupos e palavras de ordem. Ocupa a rua um inconsciente coletivo, tão anônimo quanto incontrolável, a explodir, afinal.
É a maturidade de uma consciência nacional que avança, muitas vezes, subterraneamente, no seio do processo social.
E nele não são outras as marcas, afinal, de uma modernidade em sintonia crescente com a visão do Estado desligado, de vez, da "cosa nostra" e suscetível de dar conta da ordem social, do bem-estar e da justiça, no imo de todas as esperanças populares.
Nestes dias, por outro lado, desponta o novo amadurecimento da democracia, que é o de ficar nas ruas, como querem os indignados da praça da Catalunha, em Barcelona, ou da praça Porta do Sol, em Madri.
É a volta à ágora ateniense, a pôr em causa o cansaço do princípio da representação política, ainda dos novos reptos aos direitos humanos da complexidade do mal e das dificuldades de apurar o verdadeiro dissenso nas sociedades mediáticas.
O que deparamos é um novo plantão de vigília cívica, que começa a planejar o seu revezamento -como se vê na praça de Madri-, ciente de que o seu ineditismo passa, mas que a praça dos indignados quer perdurar como um contraponto dos congressos de todas as apatias, em tempos de crise das esquerdas e de perplexidade com a nova globalização.
A praça Porta do Sol acicata a consciência coletiva. Mas esse avanço -como entre nós, agora, nestas "viradas de página" da corrupção- recusa os oportunismos moralistas do status quo. O povo sabe quando desce à rua, e de vez.