A campanha contra a corrupção, tão necessária e urgente, tem um defeito: falta-lhe um rosto. Ou melhor: a corrupção tem tantos rostos que dificulta a identificação do tumor. Com frequência quase diária, surgem novos e ressurgem velhos nomes, de tal maneira amontoados que o protesto ou a indignação do cidadão se dispersa numa compreensível e impotente generalidade.
Na disputa pela primogenitura, Jacó, filho de Isaac, corrompeu Esaú, seu irmão mais velho, com um prato de lentilhas, Judas vendeu seu mestre por 30 dinheiros -os exemplos são muitos e antigos, a ponto de alguns moralistas considerarem a corrupção um atributo do gênero e da sociedade humanos.
Num caso mais recente e menos importante, um presidente da República sofreu impeachment porque, entre outras façanhas, ganhou um carro Elba. Os casos citados tiveram um rosto.
Fica difícil estabelecer um roteiro para acabar ou diminuir a corrupção, que nos últimos tempos tem a periodicidade de um ciclo lunar, de um eclipse.
Evidente que na classe política, que abastece o poder em suas várias manifestações, desde a Presidência da República ao guarda da esquina, os casos são mais numerosos, têm mais visibilidade, mas deixam sombras no contexto da corrupção, cúmplices que ficam aguardando novas oportunidades.
O problema é moral. Dou um exemplo às avessas da corrupção. Na crise que o levou ao suicídio, Vargas, no início, lutava pelo seu cargo e pela sua dignidade. Dias antes do fim, soube que um de seus filhos comprara um campo no Rio Grande Sul em sociedade com Gregório Fortunato, seu guarda-costas. Vargas chamou o filho, perguntou-lhe se era verdade.
O filho confirmou. A partir daquela confissão, ele não mais lutou. Acabrunhado, deu um tiro no peito.