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O mal e o bem

 

Durante alguns anos, mantive crônica num jornal carioca subordinada ao título "Da arte de falar mal".

Por duas vezes fui parar na prisão por causa dela, às custas da Lei de Segurança Nacional então em vigor. Até hoje não entendo a razão de ter dado esse nome ao que escrevia, nem sempre falava mal das coisas que aconteciam ou não aconteciam. Excepcionalmente, falava bem de alguma coisa.

No mesmo jornal, o poeta Carlos Drummond de Andrade também escrevia sua crônica diária, usando apenas as iniciais de seu ilustre nome, CDA.

Não era humildade de minha parte, era um fiapo de consciência profissional que ainda não me abandonara. Falava e escrevia mal pela simples razão de ser colega e amigo de um dos maiores nomes da nossa literatura. Marcava território, como os cachorros que escolhem o local onde preferem fazer pipi.

Medida desnecessária, por sinal; bastava ler a primeira linha de um texto de Drummond para que todos notassem a diferença.

Mesmo assim, houve um problema. Ali pelos anos 60, havia um apagão diário no centro do Rio. Das 18 às 19 horas, acendiam-se lampiões e a Redação funcionava, menos a gráfica, que precisava da energia cortada.

Um paginador distraído trocou os originais descidos à oficina e a minha crônica saiu no espaço consagrado pelo poeta. Por acaso, naquele dia eu falara mal da Ilha do Governador, sei lá por que, problemas com as barcas, óleo nas praias, falta d'água, essas coisas.

A editora José Olympio havia encomendado a Drummond e a Manuel Bandeira uma antologia sobre os 400 anos da fundação do Rio, dedicada aos bairros da cidade.

Foi o meu primeiro e raríssimo texto publicado em antologia. Por delicadeza, o poeta mudou o título para "Da arte de falar bem".

Tudo é possível.

Folha de São Paulo, 1/9/2011