O conjunto de levantes na praça, simbolizados pela aglomeração na Praça Tahrir, no Cairo, vai à senda mais funda do seu efeito dominó, para além do Oriente Médio e da primavera árabe. Lá estão, em Madri, e na Praça da Catalunha, em Barcelona, ajuntamentos determinados a ficar, dia e noite, na visibilização deste poder emergente do povo na praça, em maratona incansável do protesto. É a réplica a toda comunicação a distância, que já socializou tão profundamente, pela internet, o debate político e a formação de uma nova consciência coletiva. É o corpo a corpo em que a conquista da coesão fala mais, inclusive, que a própria temática dos " seus múltiplos recados e protestos. Tal como se deparássemos, de vez, não só ,a exaustão das mecânicas de representação política e, mesmo, a dos próprios plebiscitos que pareceriam ser a sua imediata derivação.
É a própria ideia institucional que se derruba, na impaciência de cobrar, por uma vigília permanente, toda quebra de rotinas de um calendário de reformas ou das promessas de sempre. Já se disse que a praça dos indignados implicou, também, um verdadeiro curtocircuito sob a sociedade virtual. É a torna à agora, por sua vez, no próprio eixo da ideia democrática no seu cânon ateniense. A diferença se grita na hora e se concatena em grupos de discussão, mais pela contundência do dito do que pelas promessas suasórias de comissões subsequentes e novas interlocuções com os poderes constitiudos.
Tanto na Praça Mayor, em Madri, como na da Catalunha, o diálogo se contamina ao sair da verberação e, sobretudo, da denúncia das clássicas acomodações a que responde a cidadania morigerada, e não como que prorrompe na praça o discurso do indignado. A se recensear esta escuta, depara-se o avanço sobre o discurso, já, sobre a arenga dos Direitos Humanos, a ecologia ou o avanço das ONGs.
E, nesta não transigência de muitas vozes, certas temáticas da própria modernidade se vêem como obsoletas, como as demandas do feminismo estabelecido, do reconhecimento homossexual ou do resgate das etnias.
No rastreio da Praça da Catalunha, depararam, ao mesmo tempo, uma primeira prospectiva real para o futuro desta modernidade. Como sobrevive a democracia à destituição econômica e à ampliação da miséria universal? Como se sincronizará a queda das ditaduras do Oriente Médio, como uma visão não funda mentalista da sua identidade emergente? E em que termos o terrorismo pós-Bin Laden pode tornar irreversível a "guerra das religiões"? Como se pensar, ainda, no universo da coexistência efetiva, as novas restrições à imigração árabe e ao multiculturalismo europeu?
Mais grave, entretanto, está, nesta contradição entre uma comunidade de indignados, que não sai da praça e quer ir à frente, e a regressão política, ora vinda pelas Últimas eleições europeias, instalando um conservatismo mais arraigado na Espanha e em Portugal. A Praça Tahrir criou o imprevisível de sua irradiação, e quem continua na Praça, na Catalunha, cobre o teste decisivo de não se ter sufocado pelo que as urnas entregaram à nova "civilização do medo".
Jornal do Commercio (RJ), 10/6/2011