É sabido que, como povo, temos lá nossas lacunas de memória. Nem sempre cultuamos os nossos mitos, o que faz com que os jovens tenham pouco apreço ao passado. Essa não pode ser uma atitude elogiável.
Outro dia, na Academia Brasileira de Letras, surgiu uma discussão em torno do historiador e ex-reitor Pedro Calmon. Uma figura notável da nossa cultura, com uma obra clássica de História do Brasil, em sete volumes, que até hoje serve de referência de riqueza e qualidade.
Outra personalidade que merece sair do esquecimento é o professor e administrador Gildásio Amado. Nascido em Itaporanga (Sergipe), em 1906, teve uma série de irmãos famosos, entre os quais Gilberto, Gilson e Genolino, este um cronista admirável que integrou os quadros da Casa de Machado de Assis.
Gildásio formou-se em Medicina, na antiga Universidade do Brasil, mas a sua vocação mesmo era o magistério e os problemas da educação nacional. A partir de 1926, lecionou diversas matérias no Colégio Pedro II: Inglês, História Universal, até ser efetivado em 1940 como professor catedrático de Química do colégio padrão brasileiro. Durante quase 10 anos dirigiu o internato do Colégio Pedro II e foi depois designado professor de ensino técnico da Prefeitura do Distrito Federal, com exercício nos tempos gloriosos do Instituto de Educação.
Nomeado diretor de ensino secundário do Ministério da Educação, nos idos de 1956, lá permaneceu cerca de 12 anos, deixando a marca da sua criatividade e do seu natural desejo de mudanças. Inconformado com a mesmice do então ensino secundário criou as chamadas “classes experimentais”, a primeira tentativa de flexibilização do rígido currículo das nossas escolas (1959).
Segundo o seu filho, Embaixador André Amado, ele tinha a convicção de que não deveria, àquela altura, ter a pretensão de descobrir a pólvora. Baseou-se em modelo vigente na Inglaterra, em que havia um curso ginasial com um tronco comum de dois anos e a parte diversificada sendo ministrada nas terceira e quarta séries, onde caberia a inclusão das matérias técnicas. Esse modelo de modernidade se contraporia aos preconceitos existentes no país em relação ao ensino técnico-profissional, que a Constituição de 1937 proclamou ser destinado claramente “às classes menos favorecidas”. Vejam o absurdo da visão maniqueísta do Estado Novo.
Quando voltou ao Ministério da Educação, em 1964, o professor Gildásio Amado batizou a sua experiência de “Ginásio Orientado para o Trabalho”, com dois aspectos essenciais: a implantação da orientação educacional e o treinamento de professores e especialistas, por intermédio da famosa Cades (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário). Lembro de diversos colegas da então Universidade do Estado da Guanabara que saíam do Rio, nas férias, para dar esses cursos no interior do país,aproveitando a sua experiência. Foi um sucesso, a que sobreveio também a formação de professores de técnicas industriais, comerciais e agrícolas. Todo esse pioneirismo do prof. Gildásio merece o registro da saudade.
Jornal do Commercio (RJ), 27/5/2011