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Um poeta dos poetas

 

Acima de tudo, um poeta. E, por isso mesmo, quase um marginal da vida e certamente do mundo, Paulinho Mendes Campos não teve culpa de ter sido o que foi: um artista na acepção completa, vale dizer, na sua visão da aventura humana, que ele próprio definiu num verso magistral: "Clown de meus próprios fantasmas, sonhei-me".

O diabo é que o clown foi obrigado a tornar-se um homem sério, um jornalista sério, um cidadão sério. Mas vamos com calma: nas mesas do Vilarinho, do Pardelas e do Juca's Bar, aí pelos anos 50, Paulinho deixava na porta a seriedade do funcionário e tornava-se, pura e belamente, o boêmio.

Boêmio que amava Valéry, Baudelaire, Mallarmé, Dylan Thomas e T.S. Eliot -o que motivou o ofício paralelo ao do poeta: o de tradutor de poetas. Mas era pouco porque não era tudo: também foi jornalista, e mais tarde, cronista.

Deixou marca nos dois setores. No antigo "Diário Carioca", referência obrigatória do jornalismo moderno, ele criou a melhor legenda desde Hipólito José da Costa: era uma foto de Getúlio Vargas rindo, aquele sorriso que foi cantado por Marino Pinto e Mario Rossi em famosa marchinha de Carnaval. Um dos recursos de Vargas era o de rir muito -isso o tornava simpático às massas e aos políticos que dele se aproximavam. Era um sorriso que os adversários chamavam de "maligno" e os amigos de "cativante".

Tarde da noite, isolado na sua mesa, tendo a seu favor apenas o talento, o redator não podia optar pelo adjetivo da oposição, tampouco pelo da situação. Era necessário criar outro adjetivo. Qualquer jornalista faria isso: não usaria nem o maligno nem o cativante e mandava a matéria descer à oficina. Mas Paulinho não era um redator qualquer. E escreveu a melhor legenda de que se tem notícia: "Rico ri à toa". Consta que Getúlio gostou da legenda.

Mas Paulinho era também o homem de convívio fraterno, gostoso. Lembro que, numa enquete, ele definiu um dos prazeres da vida: lavar a talha e enchê-la de caipirinha para a feijoada dos sábados.

Tanto era bom -como gente e como poeta- que a geração de intelectuais surgida depois de 45 tomou-o como símbolo. Fizeram o mesmo com Coelho Neto e Olavo Bilac: os modernistas não apreciavam o estilo clássico de um e o parnasianismo do outro. Caíram de pau em cima. Foi assim que, em 1958, ao publicar "Domingo Azul do Mar" -um livro amorável em todos os sentidos- os incendiários da época não o pouparam.

A reação de Paulinho transcendeu ao campo literário: não passou recibo, não respondeu. E ele tinha bocas de fogo suficiente para massacrar os eventuais críticos. Pois, acima da literatura, ficavam a poesia e a vida. Era um mineiro típico, vivia em grupos, mais solitariamente -só os mineiros entenderão este truque. E os grupos de Paulinho foram muitos. O mais famoso de todos, o Grupo dos Cronistas de Manchete, reunindo Rubem Braga, Fernando Sabino, Sérgio Porto e Henrique Pongetti.

Depois o Grupo dos Mineiros, reunindo o mesmo Sabino mais Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino. E o Grupo do Pardelas, com Vinicius de Moraes, Luiz Jardim, Santa Rosa, Simeão Leal, Rosário Fusco e, finalmente, o grupo maior do Vilarinho, com alguns membros do Pardelas mais Ary Barroso, Flávio de Aquino, Lúcio Rangel, Antônio Maria e um rapaz que chegou de mansinho e ficou: Tom Jobim.

Acima e além dos grupos, ele próprio na sua do viver em paz, sem fazer barulho, sem impor e sem pedir: "Um homem é, primeiro, o pranto, o sal, o mal, o fel, o sol, o mar -o homem". Pelo estilo de sua poesia, Paulinho ficou como poeta dos poetas -o que não deixa de ser pejorativo em termos de mídia. Mas é assim que seus amigos e devotos o preferem: manso e generoso.

"Cansei-me de ser visão: agora que sou real em um mundo real." Esse Paulinho real torcia pelo Botafogo de forma doentia -é preciso ser doente para gostar do Botafogo- e foi para conhecer Pablo Neruda que se mandou de Belo Horizonte para o Rio, aí pelos anos 40. Estudou para dentista e veterinário, ele, o poeta.

Ele, Paulo Mendes Campos, saindo de leve de um cenário, cenário efêmero como todos os cenários, cenário que ele soube compreender e redimir: "Se multipliquei a minha dor, também multipliquei a minha esperança".

 Folha de São Paulo, 13/5/2011