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O arco-da-velha

 

Não me dei ao respeito de assistir as bodas reais em Londres, tampouco me edifiquei com a subida aos céus de um papa em Roma, e muito menos fiquei pasmo com a volta do Delúbio Soares ao PT.  

Mais do que nunca, dediquei minhas horas vagas ao meu próprio umbigo, marca que trago de nascença e em torno do qual eu construí, com a oposição dos outros, o meu modesto destino.

Muita coisa acontece por aí, algumas importantes, outras nem tanto, multidões se formam para apoiar ou se deslumbrar cora isso ou aquilo. Num ano qualquer do passado, um sujeito passou correndo e gritando para mira: "Um incêndio! Um incêndio!".
 
Pego de surpresa, no primeiro instante, quase corri também, mas logo descobri que não tinha nada a ver com o incêndio, não fora eu que botara fogo naquela casa, que não era a minha, nem de amigo ou de conhecido meu, afinal o que iria fazer lá, além de atrapalhar os "soldados do fogo" —era assim que os jornais chamavam os bombeiros. 

De qualquer forma, a vida humana, que é a soma de todos os umbigos que já existiram, existem e existirão, é formada por isso mesmo, bodas suntuosas, papas virtuosos e Delúbios duvidosos. Tudo e todos com os seus respectivos umbigos.
 
Aliás, fiz bem em me dedicar ao próprio umbigo, esnobando a monarquia da Inglaterra, a santidade dos papas e as idas e vindas do PT. Mexi em velhos papéis para limpar gavetas e arquivos. Encontrei coisas que minha tia-avó diria que eram "do arco-da-velha".

Uma foto minha com o papa que agora subiu aos céus, a bordo do avião que o trouxe ao Brasil pela primeira vez. Ele falou com todos os jornalistas da comitiva e me perguntou se eu o acompanharia em suas andanças. Disse que sim.

Espero que agora, do assento etéreo a que subiu, ele se lembre de mim e do meu umbigo.

Folha de São Paulo, 3/5/2011