Foi uma festa para inglês ver: muita pompa e circunstânría ao som de marcha homônima. Trinta anos atrás, lá estava eu, espremido num palanque reservado a imprensa em Ludgate Hill, vendo os 179 cavalos de Sua Majestade que puxavam as carruagens que pareciam ter saído de um filme da Romy Schneider.
Aliás, o tom geral das bodas reais —que os ingleses chamam de "Royal Wedding"— era esse mesmo: a qualquer momento apareceria a Branca de Neve cantando "Some Day My Prince Will Come".
O príncipe já havia vindo para Lady Di: lá estava ele, aflito, apavorado, tentando agradar não à plebe e aos convidados, mas a mãe, a rainha Elizabeth, que ficou de cara amarrada durante toda a cerimônia, só relaxou quando a última carruagem voltou para o Buckingham Palace e os guardas fecharam os portões de bronze.
Casamento de príncipe de Gales ou de bancário de Brás de Pina, no fundo, dá no mesmo: eles botam o melhor terno, a melhor camisa, a melhor cueca, capricham no corte do cabelo -eles sabem que não serão o personagem principal da festa, mas querem aparecer dignamente no papel de coadjuvante.
No caso de Charles, ele exagerou na brilhantina, seu cabelo estava ensopado, a gordura escorria pela testa, e ele se enxugava, sempre olhando para a mãe —com medo de receber aquele olhar em que as mães, e os ingleses em especial, são mestres: o da censura.
As perspectivas do casamento eram razoáveis, lá ninguém acreditava num mar de rosas para os noivos, mas pelo menos ali, diante do altar-mor da Catedral de São Paulo —obra de Christopher Wren- os prognósticos pessimistas ficaram em suspenso: todos curtiram a festa, inclusive o personagem mais gordo que vi em minha vida, o rei da Tanzânia, que derretia suas imensas banhas no calor da catedral, ouvindo Kiri TeKanawa cantar Handel —a mesma música que é cantada desde os meados do século 18 em cerimônias iguais.
Não é à toa que a estátua de Handel está na abadia de Westminster, olhando de igual para igual os grandes reis da Inglaterra. Ele merece.
Lady Di, sim, estava deslumbrante. Qualquer noiva, em Dores do Indaiá ou em Londres, fica deslumbrante na hora que adentra a igreja. Coberta de jóias ou de trapos, é uma noiva —a mulher marcada para ser de um homem, matriz e fada, serpente e deusa: a noiva.
Seu vestido foi segredo de estado até a véspera —e nunca presenciei tamanha inutilidade da imprensa, como um todo, jornalistas de todo o mundo procurando saber como era, de que era feito e quem o fizera. Afinal, era apenas um vestido de noiva. O de Nelson Rodrigues era melhor.
O pai dela, lord Spencer, na véspera ameaçara uns infartos, a ambulância disfarçada de Rolls-Royce ou o contrário, o Rolls-Royce disfarçado de ambulância, seguiu o cortejo, ao lado da carruagem do pai da noiva.
Foi uma cerimônia correta, digna, sempre sob o controle do olhar da rainha, que parecia ver tudo, tudo reprimir e tudo anotar.
Os olhos dela são absurdamente azuis, é pequenina de tamanho, mas tem aquilo que os entendidos chamam de "estatura".
E o príncipe Charles, na hora em que disse o "sim" para o reverendo Robert Runcie, arcebispo de Canterbury, parecia que estava casando para ela, sua rainha e mãe.
Uma festa que procurou resgatar a nostalgia nacional dos ingleses pela grande império que naufragou depois da Segunda Guerra Mundial. Um império que acabou política e geograficamente, mas que continuou intacto, ao menos no coração de um povo que soube resistir a Hitler e, com sangue, suor e lágrimas, salvou o mundo ameaçado pelo Reich de mil anos.
E, sempre que me perguntam do que mais gostei naquele casamento, respondo que foi a festa inteira: o povão bebendo nas ruas pelo simples fato de um príncipe casar com uma princesa.
O conto de fadas, ao vivo e a cores, que se desenrolou entre o Palácio de Buckingham e a Catedral de São Paulo, um "making of de filme do Walt Disney, que encontrou, na memória dos ingleses, as retinas da infância e da inocência.
(PS: Esta crônica foi escrita em 1981. Republico-a em atenção ao remake(que assistiremos hoje).
Folha de São Paulo, 29/4/2011