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Quem tem medo das antologias escolares?

 

Já foi tempo em que as antologias escolares faziam muito sucesso em nossas escolas de educação básica. Eram uma fonte segura de conhecimento dos principais autores da literatura brasileira, com resumos que, em muitos casos, estimulavam os alunos a se aprofundar na leitura de livros fundamentais.

A partir de 1976, com uma decisão do Supremo Tribunal Federal, na pendência provocada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade contra a Bloch Editores, em virtude do uso de textos sem autorização do escritor, houve um acentuado declínio na produção das antologias, hoje uma raridade.

A respeito do assunto, falamos na Academia Brasileira de Letras, focalizando em especial a questão intrincada dos direitos autorais, o que se agravou com a entrada em cena da internet e seus subprodutos. Com o lamentável registro de que a pirataria se tornou uma festa, prejudicando nossos escritores, depois de praticamente destruir a indústria fonográfica.

O desafio foi feito pela romancista Lygia Fagundes Teles, numa apreciada conferência realizada no Rio de Janeiro. Quando discorria sobre a possível infidelidade de Capitu, pediu que liderássemos uma cruzada favorável à língua portuguesa, sua fundamental ferramenta de trabalho. Disse Lygia: “Não se pode mais conviver com tamanhas barbaridades que são ditas e escritas por aí.”

Chegamos a esse ponto por uma série complexa de fatores. A precária capacitação dos professores, os seus baixos salários, o elevado preço de capa dos livros, a valorização da civilização eletrônica e a destruição das antologias escolares são elementos que não podem ser descartados, no lamentável processo de desconstrução do nosso idioma.

Vamos insistir na análise do caso das antologias e dos seus efeitos na educação brasileira. Outro dia, lemos uma entrevista do escritor Antônio Torres, em que ele elogiava a sua professora Teresa, no primário de uma escola rural de Junco, no interior da Bahia, que o fazia ler alto a Seleta escolar. Foi assim que teve o seu primeiro e fascinante encontro com Castro Alves, Gonçalves Dias e Machado de Assis.

A burocratização do acesso ao conhecimento, que complicou a vida dos antologistas, desestimulou as editoras a produzir essas obras. O resultado é que escritores contemporâneos deixaram de ser quase referidos, em benefício daqueles que viveram há mais de 70 anos e que se encontram em domínio público, sem o drama dos direitos autorais das licenças que, em geral, são negadas pelos detentores dessa riqueza cultural.

No jornal O Globo, o acadêmico Lêdo Ivo escreveu uma crônica contundente sobre o direito de imagem. Vale a pena acompanhar o raciocínio irado do grande sonetista: “A atual legislação me proíbe de publicar as incontáveis fotos que possuo de Manuel Bandeira. Proíbe-me de usar até mesmo aquelas em que estou ao seu lado. Proíbe-me ainda de divulgar as cartas de Clarice Lispector, ou Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Cardoso ou qualquer outro integrante do meu universo afetivo. Pela lei, elas não me pertencem, embora dirigidas a mim. Por 70 anos, pertencem a parentes de quem as enviou. Caso ouse expô-las ao sol, serei processado judicialmente.”

Lêdo Ivo protesta contra o pagamento aos herdeiros, alguns dos quais ele chama de “famélicos” ou “fominhas póstumos”, que vivem à espreita dessas chamadas transgressões. E pergunta: “Fui amigo de Manuel Bandeira durante 30 anos. Ele era solteiro e solitário. Não deixou nenhum descendente direto. Que herdeiros são esses, que jamais o visitaram em sua solidão?”

Por fim, dá uma excelente ideia à presidente Dilma Rousseff: “Incorpore a obra de Manuel Bandeira ao patrimônio nacional. Assim ela poderá ser acessada de forma livre e democrática.” Talvez seja o melhor caminho para a abertura desses ferrolhos literários.

 Correio Braziliense, 18/4/2011