Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A determinada democracia africana

A determinada democracia africana

 

Ao visitar a África pela primeira vez, Obama foi só a Gana, enquanto nação de indiscutível credencial democrática no Continente. Mas Dilma, em futura viagem à região, não tem como iniciá-la senão pelo Cabo Verde, o país que, desde a sua fundação, mantém governos popularmente eleitos em amplo respeito à expressão política de suas minorias.

A Presidência, hoje, do Comandante Pedro Pires, é a de um autêntico foulding father, que viveu desde o arranco nacional, com Amilcar Cabral e esta identificação intrínseca da independência com a democracia. O que mais importa é o quanto nesta permanente abertura à voz da diferença. Cabo Verde encontra hoje, com a equipe do primeiro ministro, José Maria Neves, a dimensão, talvez, mais ambiciosa do que seja uma estabilidade governamental.  
 
Não é outra que a de uma ampla renovação geracional onde toda uma nova equipe se antena a uma legítima prospectiva. É a desta presença de Cabo Verde, nesta aparelhagem para a administração ampla dos serviços, e a era da tecnologia da informação, em que desenha todo um novo protagonismo para a modernidade do século XXI. 

Tal resulta de ter o país formado a sua mocidade em vários centros mundiais, no qual se ressaltaria o profundo contato com as universidades de Boston, Harvard, Princeton ou Yale. Mas se há uma internacionalização clara do know how que emerge, a democracia cabo-verdiana logrou também, e ao mesmo tempo, um profundo sentido de identidade, à primeira vista ínvio a uma nação-arquipélago e de difícil comunicação entre as suas ilhas.

Desta condição resulta a afirmação comunitária e densa do país, de par com o sentimento histórico comum, do que o primeiro ministro José Maria Neves pode chamar, com Justiça, de primeira nação global. O especificíssimo linguajar crioulo que as associa, destaca-se na sua versatilidade e pragmatismo, das visões conservadoras, senão reacionárias, do que seja o castiço e o funcional no idioma emergente. 

O desponte da universidade cabo-verdiana, na Praia como no Mindelo, ou em São Nicolau, na busca inovadora e de uma logística com o setor privado para a pesquisa, não avança apenas no ferramental tecnológico e das biociências. Esquiva-se, também, a um vocacionamento especializado nas ciências humanas; vai à sua interdisciplinaridade, toda vinculada à cultura da mudança e ao objetivo, sempre presente, na visão do Presidente Pires, de uma educação para a cidadania.
 
Nessa vertente se encontra a preocupação constante com a convergência do arquipélago e a luta crescente contra a diáspora. O vínculo com as gerações emigradas empresta uma liderança indiscutível ao Cabo Verde, para além do laço apenas linguístico da CPLB, nesse descolamento das inércias geográficas, que associam hoje o país, como aguilhão, às antigas matrizes territoriais da Guiné Bissau e cada vez mais da Guiné Conakry.  

O Brasil é o pólo meridional desta emergência da força espalhada dos cabo-verdianos de Fortaleza a São Paulo, e a presidente Dilma, na sua mais que esperada visita à Praia, só divisará a profundidade do elo com Cabo Verde, neste mundo de emergências atlânticas, e já tão longe das geopolíticas de centros e periferias.
 

Jornal do Commercio (RJ), 15/4/2011