A discussão aconteceu no âmbito da Academia Brasileira de Letras, depois do recesso regulamentar. O tema era a memória. Um imortal lembrou que a murta, uma flor muito cheirosa, quando irradiava o seu perfume o levava a rememorar a sua infância, no interior fluminense. Dizia ele ter memória olfativa. Outro valorizou a memória auditiva. Músicas que, na sua adolescência, lembravam namoros depois rompidos. O seu gosto oscilava entre "Chão de Estrelas" e "New York, New York", prova do seu ecletismo.
Há os que valorizam a memória visual. Se veem uma projeção na lousa, mesmo que sejam complicados problemas de geometria, fixam os conceitos praticamente por toda a vida. Quem tem esse tipo de memória se dá muito bem com os livros impressos nos quais nos formamos. A leitura faz reter pensamentos preciosos ou conceitos indispensáveis, nas provas que enfrentamos ao longo da vida.
Existe a comida da vovó ou da mamãe, que a gente nunca esquece, pelo tempero com que é feita. O paladar também pode trazer preciosas reminiscências da infância ou da adolescência. Isso acontece frequentemente.
Falamos dos sentidos e é claro que não vamos deixar o tato de fora. O carinho dos familiares, o beijo da mãe ou do pai, isso será para sempre lembrado. O abraço se insere nessa categoria.
Por que esses comentários? Eles foram gerados pela presença da presidente Dilma Rousseff no programa da Ana Maria Braga, na TV Globo (Mais Você). Foram 90 minutos de entrevista, com uma condução segura da apresentadora, que esteve à altura do seu papel. Afinal, ela estava entrevistando a nossa suprema mandatária, prestigiada por mais de 55 milhões de votos.
A presidente da República falou da sua surpresa com a Mata Atlântica presente na área de 4 milhões de metros quadrados do Projac, em Jacarepaguá, com a preservação possível. Depois, antes de demonstrar, como dona de casa, seus dotes culinários, que são concretos, comentou sobre a sua missão na presidência e até comentou: "Dizem que sou durona. Não é verdade. Os homens que me cercam é que são muitos gentis!"
Demonstrou absoluta segurança em todos os assuntos tratados, como se estivesse no fim do governo, e não no começo. Atribuiu ao pai búlgaro o seu gosto pelos estudos ("só estudando é que se pode crescer na vida") e nos fixamos num precioso momento, quando ela afirmou: "Eu tinha 14 anos, queria ler a Coleção das Moças, com aqueles livros açucarados, mas o meu pai equilibrava esse meu desejo com obras de densidade indiscutível, como é o caso de Dostoievsky".
Veio a revelação: "O lugar em que me sinto melhor é numa livraria. Adoro visitar livrarias, procurar novidades, pegar os livros, cheirar as suas páginas, isso pra mim tem um valor inestimável!" Ficamos pensando nos jovens que viram o programa: que belo exemplo de amor à cultura, raro de acontecer.
A Gazeta (ES), 8/3/2011