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A esfinge

 

Tudo bem: a história guardará o movimento popular no Cairo que, sem quase derramamento de sangue nem depredações consideráveis, derrubou 30 anos de poder do ditador local. Não houve ataque à Bastilha nem invasão do Palácio do Inverno, como em outros feitos revolucionários.

Sem querer ir contra a alegria geral que explodiu na praça Tahrir, acredito que o povo egípcio ainda terá dias de incerteza, uma vez que será governado por decretos-lei baixados por uma junta militar. Não haverá, pelo menos no horizonte mais próximo, uma Constituição, um Congresso e, evidentemente, uma Justiça institucional, além daquela que pouco se diferenciará da Justiça Militar.

A sociedade civil, que tão esplendidamente se manifestou nas praças e ruas das cidades do Egito, há muito se habituou (ou se conformou) com o domínio de estrangeiros, desde os otomanos, passando pelos romanos, franceses e ingleses, que lhe deram um rei absolutista, tal como os romanos deram Herodes aos judeus.

Faruk foi deposto, era um rei de fancaria. Um coronel substituiu-o com mais poder. E de Nasser a Mubarak foi uma sequência de militares. Ao longo de tanto anos, não surgiu uma liderança civil nem mesmo uma liderança militar alternativa. No processo que deu fim à era de Mubarak, não se sabe ainda qual o grupo ou qual o chefe que catalisará o espantoso fenômeno popular, que desde já pode ser considerado um dos maiores da história.

Como sempre, nessas horas surge uma junta militar ou clerical, como aconteceu com os aiatolás do Irã depois da queda do xá Reza Pahlevi. É cedo ainda para soltar tanto foguete. A esfinge que guarda a solenidade das pirâmides e a imensidão do deserto, já viu muita coisa, mas continua esperando que alguém a decifre.

Folha de São Paulo, 15/2/2011