Recebo e-mail acusando-me de ter vendido a alma ao demônio. Fausto subdesenvolvido que não desejava recuperar a mocidade para conquistar Margarida, mas garoto guloso que desejava uma torta de banana, episódio que está narrado com detalhes no meu primeiro romance.
Não mereço recriminação por isso. Vendi o que era meu e não tenho satisfações a dar.
Há tempos, recebi também uma carta de um cidadão do Leblon que se dizia positivista, discípulo de Teixeira Mendes, Miguel Lemos e outros cobras positivos do positivismo nacional. Atribuiu-me velhacaria: "A alma não existe", escrevia ele, "o senhor vendeu uma coisa inexistente".
Não sei se realmente o positivismo admite alma ou demônio, nem tenho tempo e vontade de consultar os entendidos. Mas, se a alma não existe, o demônio também não existe, e não vejo então velhacaria no fato de vender uma coisa inexistente a alguém inexistente. Ficamos pagos.
Outros leitores, mais práticos, também me perguntaram como eu conseguira realizar a transação, tentando aprender com pessoa qualificada aquilo que se pode chamar de "o conto da alma". Perguntaram-me pelas condições da venda. Naquele tempo não havia tabela price, taxa Selic, juros e outros tributos. Tudo se fazia à vista, com a moeda de então. E a alma -pelo que aprendi nos pios catecismos- é moeda forte, fortíssima.
Mas não vou ensinar a ninguém o mapa da mina. Dei-me bem no negócio, pelo menos até o momento em que digito essas linhas.
Mas, antes de terminar a crônica, talvez seja ferido por um raio, recurso literalmente fulminante com que o demônio, sem aviso prévio, costuma cobrar a sua legitima parte nos pactos infernais.
Folha de São Paulo, 9/1/2011