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Ano-Novo e outras questões

 

Estão lembrados nossos leitores de que comentamos casos de emprego do hífen em compostos do tipo 'meio-dia', significando a região sul como ponto cardeal, em oposição ao grupo sintático não hifenado 'meio dia', valendo por metade do dia. Assim se distinguem os grupos sintáticos 'boa praça' e 'casa grande' dos compostos hifenados boa-praça (significando 'pessoa cordial') e casa-grande ('casa dos antigos senhores de engenho, por oposição a senzala').

Neste período de fim de ano e de grandes desejos formulados, recebemos algumas dúvidas de leitores sobre a grafia de 'ano novo' e 'ano bom', se compostos, portanto, hifenados, ou se grupos sintáticos, sem a presença do sinal gráfico. Na realidade, teremos os dois casos, conforme os significados em que sejam empregados como compostos ou não. 'Ano-Novo', com maiúscula, é um composto quando, nos votos para o próximo ano, significa, na lição do Dicionário Houaiss, 'ano entrante', 'meia-noite do dia 31 de dezembro; 'ano bom', 'dia primeiro de janeiro; ano-bom'. 'Ano-Bom', sinônimo de 'Ano-Novo' neste contexto, também se grafa como está aí. Já como grupos sintáticos o emprego se dá em contextos do tipo: '0 sucesso da operação lhe garantirá um ano novo de esperanças'; '2010 foi um ano bom para o comércio'.

Falando do mais alto título da hierarquia oficial do governo, tivemos oportunidade de dizer nesta coluna que, do ponto de vista gramatical, se trata de substantivo que se usa normalmente em português aplicado a homem ou a mulher: o presidente, a presidente, como se diz, conforme o sexo, o ou a cliente, docente, inocente, doente, estudante e tantos outros substantivos terminados em -e. Mas também pode acompanhar a flexão genérica -e, -a, de substantivos terminados em -e: infante, monge, parente, alguns dos quais também se usam como uniformes, isto é, se aplicam tanto a homens quanto a mulheres: o, aparente. Assim, pelas normas da gramática portuguesa, tanto se pode dizer a presidente ou a presidenta.

Outras línguas românicas, como o espanhol, o italiano e o francês, podem usar o substantivo masculino precedido do artigo feminino, ou usá-lo (o substantivo) na forma feminina. No espanhol contemporâneo, pela informação ministrada pelo recente Diccionario Hispánico de Dudas (2005), o uso majoritário consolida a forma feminina 'a presidenta'. Em português, pelo menos o que se observa no Brasil até aqui, a maior frequência registra o emprego 'a presidente', quer na fala, quer na escrita. A preferência que se divulgou oficialmente e se percebe entre os representantes do governo brasileiro recai sobre a forma feminina 'a presidenta'. O uso no Brasil sucumbirá ao peso do prestígio do uso espanhol? Só o tempo dirá.
 
Um notável mestre do italiano, Iristano Bolelli, no livro Língua Italiana Cercasi (Milano, 1983), tratando desses femininos pouco freqüentes, como 'Ia presidentessa', comenta certeiramente: "A língua italiana tem uma vida sua, que lega sim à sociedade, mas não sucumbe a ela."

  O Dia  (RJ), 2/1/2011