Olhando as imagens dos carros e ônibus incendiados no Rio de Janeiro, lembrei-me de uma cena similar que presenciei há anos em Montevidéu. Caminhávamos pelo centro da capital uruguaia quando encontramos uma pequena e barulhenta manifestação dos tupamaros, à época um dos movimentos mais radicais da esquerda latino-americana.
Em meio à gritaria, um deles jogou gasolina sobre um pequeno carro que estava ali estacionado e ateou-lhe fogo, sob os aplausos dos companheiros que depois seguiram seu caminho.
Ou seja: esquerdistas e traficantes usando os mesmos métodos, ainda que com propósitos diferentes. No primeiro caso tratava-se de transmitir uma mensagem de conclamação à mudança social, no segundo, de fazer uma advertência à polícia.
Mas o resultado prático foi o mesmo: um automóvel destruído, um veículo que não mais transportaria pessoas. Veículo este, é bom assinalar, que resultava do trabalho de operários que nele tinham deixado uma parte de suas vidas.
O episódio é um exemplo dos erros que uma parte da esquerda comete, confundindo banditismo com contestação; o caso das Farc, associadas ao tráfico de drogas e ao sequestro. O raciocínio é sempre o mesmo: os fins justificam os meios, o importante é mudar a sociedade, não importando o que se faça para isso.
Só que os meios acabam por deturpar os fins. O crime e a violência passam a dominar o processo e se tornam objetivos em si próprios, como mostraram as incontáveis vítimas do stalinismo ou do Khmer Vermelho.
Um outro erro está na interpretação do crime como resultado automático, inevitável, da má distribuição de renda; obra de bandidos sociais, para usar a expressão do grande historiador marxista Eric Hobsbawn.
O qualificativo “sociais” está aí bem empregado; de fato, existe uma base social, ou econômica, ou cultural, para a transgressão. Mas isto é uma explicação, não uma justificativa; mesmo com base social, o bandido continua sendo bandido, assaltando, queimando carros, matando pessoas, aterrorizando a população.
A polícia nem sempre é inocente, mas isso não reabilita o criminoso, nem o torna um Robin Hood, aquele que roubava dos ricos para dar aos pobres. Se a polícia tem problemas, o jeito é enfrentá-los e resolvê-los.
Conclusão: não é queimando carros, ou jogando bombas, ou intimidando gente pacata que se vai mudar o país ou o mundo. Para isso, temos a democracia, temos o voto. Aliás, no Uruguai, elegeu-se José Mujica, que já é o segundo presidente de esquerda da história uruguaia.
À época da ditadura, Mujica, que integrava o movimento dos tupamaros, participou em atentados e assaltos; foi preso várias vezes, ficou 13 anos na prisão. Hoje, é um defensor do regime democrático. Ou seja: estamos melhorando, e o apoio da população carioca à luta contra o crime é uma prova disso. O resto é sofisma.