Durante anos, Rubem Braga publicava ao fim de suas crônicas na revista “Manchete” uma seção sob o título “A poesia é necessária”. Evidente que os poetas escolhidos eram os de sua preferência. Imitando o mestre, gostaria de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto intitulado “Cais matutino”.
“Mercado do peixe, mercado da aurora:/ cantigas, apelos, pregões e risadas/ à proa dos barcos que chegam de fora./ Cordames e redes dormindo no fundo;/ à popa estendida, as velas molhadas;/ foi noite de chuva nos mares do mundo.”
“Pureza do largo, pureza da aurora./ Há viscos de sangue no solo da feira,/ se eu tivesse um barco, partiria agora./ O longe que aspiro no vento salgado/ tem gosto de um corpo que cintila e cheira/ para mim sozinho num mar ignorado.”
Com o fim da campanha eleitoral e a eleição da nova presidente da República, com a enxurrada de palpites, previsões, análises, comentários e notícias em geral, a melhor forma de reagir contra o tsunami da ocasião foi buscar um sítio mais elevado para melhor apreciar os acontecimentos.
Ao contrário do que muitos pensam, a poesia não é recurso de covardes e alienados. Nunca, jamais em tempo algum, cometi um verso, um poema. Não quer dizer que seja corajoso e antenado com a realidade atual. Mas frequentes vezes apelo para ela quando sinto que a poesia expressa um momento que estou vivendo. O “mar ignorado” do poema de Ribeiro Couto define o universo que me foi dado navegar sem ser preciso.
Tomei conhecimento do poeta quando li, na adolescência, um livro que muito me marcou: “Presença de santa Terezinha”. Tinha ilustrações de Portinari. Apesar de um pouco esquecido, considero Ribeiro Couto, diplomata e acadêmico, um dos maiores poetas de nosso modernismo.
Jornal do Commercio (RJ), 2/11/2010