Já lembrei algumas vezes o velhinho do Iseb. Para quem não sabe, tratava-se de um grupo de intelectuais progressistas que se reunia todas as noites num casarão da rua das Palmeiras, em Botafogo, e era o contraponto ideológico da Escola Superior de Guerra, na Praia Vermelha, onde estava sendo articulado o golpe de 1964.
Só fui lá uma única vez, para uma conferência de Jean-Paul Sartre. Mesmo assim, fui arrolado num IPM (Inquérito Policial Militar) que apurava a subversão contra o regime militar. A lembrança se resume num episódio: numa das noites, quase de madrugada, antes de se encerrar a reunião, um velhinho que ninguém sabia quem era, pediu a palavra. E com a voz trêmula de ancião, declarou: "Está tudo muito confuso, temo que não dê certo". Deve ter morrido, mas nunca o esqueci.
Seu brado de alerta continua atual. Que tudo está muito confuso, está. Dona Dilma é refém, o ministro Antonio Palocci bagunçou o governo, a base aliada está rachada por causa dos cargos que não vieram, a inflação está voltando? No momento em que a Alemanha vai desativar suas usinas nucleares, o Brasil concluirá Angra 3 e construirá mais quatro dessas possíveis bombas de destruição?
No início de seu governo, Lula tentou criar o Fome Zero, que apesar de muito badalado, não decolou. No caso dele, houve tempo para compensar o estrago com o Bolsa Família. Dona Dilma também está criando um projeto de impacto contra a miséria, mas dará certo?
Tudo é possível, dizia sempre Machado de Assis. A nossa presidente tem fama de ser boa gerente, mas o cargo que ocupa é basicamente político, a gerência é um plus. E no plano político a coisa está muito confusa. Até quando durará o casamento do PMDB com o PT, cuja lua de mel está acabando? Haverá cargos para tanta gente? Por tudo isso, temo que não dê certo.
Folha de São Paulo, 5/6/2011