A fotografia exemplar desta Copa é a da família, na casa destroçada, em Palmeiras dos índios, nenhuma parede em pé, mas a televisão, fixada em tijolos, mostrando O jogo a toda a filharada de camisa amarela. O sentimento nacional não poderia ser mais exuberante, nesses milhões mobilizados na paixão desme-surada. O surto, a cada quatro anos, é o da exuberância de cada um, cada vez mais independente dos jogadores, ligada à competição estrita e ao seu ganho, sem concessões.
Entretanto, este sucesso é o da nova legião estrangeira de artilheiros, meias ou zagueiros, que cria-ram uma internacional se-gregadíssima de campeões, que só voltam à bandeira na Copa e, tantas vezes, já se naturalizaram no Primeiro Mundo. Ao contrário de outros países, nossos jogadores ainda tartamudeiam o hino nas cerimônias de abertura. Mas, o que vemos, em campo, são os personagens que, ainda há dias, estiveram nos mesmos clubes, na Espanha, na França ou na Itália. Afagam-se, cumprimentam-
se como jogadores do Real Madrid, ou do Milan, ou do Barça, provisoriamente separados, numa clássica intimidade profissional, muito mais do que cívica, ou ligada ao empenho em que os; imaginam os milhões vidrados na televisão. A descaracterização chega à caricatura, a se atentar ao numero de técnicos estrangeiros.
A exausta retórica das televisões tem, cada vez mais, dificuldades em localizar os decantados estilos de jogo em que a nossa tradição via a malícia brasileira, de par com o crescendo inquietante das faltas e das simulações, responsáveis pela constância do anticlímax, que marca, cada vez mais, as Copas do Mundo.E a telinha só mostra a competição entre o passe, o empurrão, o agarro da camisa, o pontapé e o arremesso choroso na grama, É claro, despontam os dribles fulgurantes, os arremessos de calcanhar e as cabeçadas talvez para compensar o amarro dos pés, responsáveis por tantos gols entre escassíssimos tentos.As Copas servem, drasticamente, para trazer a luz às diferenças de jogo, quando as passarelas mundiais o imobilizam, permitindo, a custo, a sobrevivência das gingas ou das fintas nascidas das peladas nacionais.
Mas,talvez, o que mais cobre, hoje, o torcedor cívico é a visão de responsabilidade coletiva, que não pode permitir rompan-tes dos semideuses em campo.Os agravos feitos ao semideus, o ta-befe contra tabefe, fazem da sua expulsão uma baixa do time, como um todo ferido, sem volta. O que estarrece é Dunga ter que tirar do gramado as suas estrelas não porque se contundam, ou se cansem, mas pelo perigo de levar o definitivo cartão vermelho.O técnico passa a cuidar, dramaticamente, do perigo público em que se transforma a imaturidade emocional dos jogadores, à margem do preparo atlético. A imagem desses retirados do prélio, para não serem expulsos, só pode levar - como exigência crescente da nossa cultura cívica - à execração dos que, hoje, afrontam a maior afirmação simbólica do País, pelos ataques de nervos de privilegiados e benquistos das passarelas milionárias.
Jornal do Commercio (RJ), 02/07/2010