A propósito da tragédia configurada pelos resultados do último Ideb, que reprovou a educação brasileira, muitas considerações têm sido feitas, umas pertinentes, como a necessidade de valorização do professorado, outras pouco práticas, como a possível federalização do ensino fundamental. O governo central teria condições de responder por essa imensa carga? E haveria competência para isso?
Nos quadros divulgados há discrepâncias que merecem grande reflexão. Levando em consideração o período de 2005 a 2009, nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º), a rede particular cresceu de 5,9% para 6,4% enquanto a rede pública subiu de 3,6% para 4,4%, ou seja, um pouco mais; nos anos finais (6º ao 9º) a rede privada praticamente estagnou: 5,8% para 5,9%. A rede pública foi um pouco melhor: 3,2% para 3,7%. No ensino médio, a rede privada não saiu do lugar: 5,6% para 5,6%. A rede pública cresceu um pouquinho: 3,1% para 3,4%.
O que se verifica é que a rede pública está três anos atrasada em relação à rede particular, consideradas as taxas de aprovação de alunos e médias em testes de português e de matemática. Um dado é profundamente inquietante das nossas diferenças: o aluno de uma escola privada, ao completar o ensino fundamental, sabe em média mais do que um formado no ensino médio público, com uma distorção de cerca de três anos. É claro que isso se reflete nos exames de admissão ao ensino superior. O nível socioeconômico dos alunos pode ser uma explicação, mas não é só isso.
A qualidade do ensino apresenta sérias discrepâncias, como registrou o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que é parte do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Uma comparação se impõe para melhor compreensão do fenômeno: em matemática, os alunos particulares terminaram o ensino fundamental com 294 pontos, sabendo-se que o total poderia chegar a 500; na escola pública a média é de 266. Em língua portuguesa a média da escola particular é 279 no último ano do ensino fundamental e as públicas registram 262 pontos no final do ensino médio. O cientista Simon Schwartzman está certo quando pinta o retrato do ensino privado também dramático, se comparado com outros países.
Isso tudo desmente que a crise se concentre na escola pública. O caos é mais ou menos generalizado, quando se sabe que o sonho é chegar ao índice 6, característico das nações mais desenvolvidas (hoje). Estamos longe — e, com sérias implicações quanto às nossas esperanças de crescimento autossustentado. Essa é a chave do insucesso, que pode levar o país a ter em breve sério apagão na questão dos seus recursos humanos. Qual é o milagre que se espera?
Curiosa é a explicação do governo do Rio de Janeiro (que ficou somente à frente do Piauí, no ensino público médio): “A culpa é dos governos anteriores”. Ao mesmo tempo, anuncia a contratação de 30 mil professores. Como conseguiu conviver por tanto tempo com esse vazio? Pagando tão mal ao magistério é natural que haja uma brutal deserção.
Mais um fato enriquece a explicação do fenômeno. Quando se prefere comprar computadores em lugar de pagar devidamente aos professores, faz-se na verdade uma escolha perversa. Se a máquina pudesse, sozinha, substituir a ação dos mestres teríamos descoberto algo sensacional e definitivo. Mas não é assim que as coisas acontecem. Quando faltam professores de matemática, física, química, biologia, filosofia e sociologia — para ficar só nessas matérias —, o que se pode esperar dessa geração de vítimas da incúria administrativa?
Com um pormenor que não pode ser desprezado: o roubo dos computadores nas escolas. Está acontecendo de forma expressiva, o que tem levado diretores a carregar para casa os seus computadores, com medo de perdê-los. Como ficam os professores sem acesso aos mesmos? Como se vê, administrar a educação não é tão simples assim. Em tempo: a manutenção também tem sido uma tragédia, sobretudo nas cidades do interior. É a isso que chamam de progresso?
Correio Braziliense, 24/7/2010