Ninguém me contou: eu vi. O sujeito caminhava pela orla da Lagoa, num passo esforçado, a camisa empapada de suor, a respiração de quem vinha de longe e ia para mais longe ainda.
De repente, um outro homem que vinha em sentido contrário deu-lhe um soco. Os dois rolaram no chão. A coisa mais próxima deles era eu. Poderia fazer alguma coisa, mas preferi ver como aquilo iria acabar.
Deviam ter seus motivos, o que batia e o que apanhava. Não sou de me meter em brigas alheias, e só brigo quando não tenho mesmo alternativa.
Parei a uma distância prudente e fiquei apreciando. Os dois deviam ser conhecidos antigos. Mais: deviam ter algum tipo de intimidade. Nada diziam, só se esbofeteavam, tentavam se esganar um ao outro.
Briga por mulher? Por dívida não paga? Não dava para ver a cara deles, de maneira que fiquei nessas duas hipóteses. Ambas justificavam aquela luta que de repente parou. Ainda sentados no chão, os dois me olharam com raiva.
Levantaram-se, limparam a terra que se grudara nos corpos suados, um deles sangrava na boca. Olharam mais uma vez para mim, como se eu fosse o culpado de tudo ou tivesse estragado uma festa deles. E voltaram a caminhar cada um para um lado.
Aí quem ficou com o problema fui eu. Para que lado deveria ir? Se acompanhasse um deles, poderia significar uma espécie de solidariedade e amanhã o outro camarada poderia me agredir por conta disso. Tomei a iniciativa de ficar parado, esperando que os dois se afastassem dali.
Até que senti um peso na consciência. Eu devia ter entrado na briga também, batendo e apanhando, como nos filmes do cinema mudo, em que todos brigavam por brigar.
Seria uma forma de purgar meus pecados. Talvez seguisse meu caminho com uma culpa a menos.
Jornal do Commercio, 15/6/2010