Comecei a minha carreira médica no Hospital Sanatório Partenon. Estudante de Medicina, eu lá fazia plantões (às vezes uma noite sim, uma noite não), e muito cedo comecei a viver a realidade da tuberculose, de onde parti para a saúde pública. Os sanatórios tinham mudado muito; não eram lugares apenas de repouso, tranquilidade, boa comida; mas não curavam a doença. Isto só aconteceu com o advento das modernas drogas antituberculose, sobretudo a estreptomicina, logo depois da II Guerra. E aí foi uma revolução. A combinação da estreptomicina com hidrazida e ácido paraaminosalicílico (PAS) curava a imensa maioria dos doentes.
A orientação, naquela época, era hospitalizar os chamados “virgens de tratamento”, porque já então o problema da adesão ao tratamento era crucial. Os doentes tinham de ser acompanhados de perto, porque assim que se sentiam melhor, deixavam de tomar os remédios. O pior era o PAS: 12 comprimidos gigantescos que irritavam o estômago. Era comum que as pessoas fingissem tomá-los, apenas para jogá-los pela janela. Mas nós podíamos identificar os relapsos; substância ácida, o PAS queimava a grama onde caía, o que funcionava como uma indireta acusação.
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Havia os pacientes crônicos. Estes tinham de tomar outra medicação, chamada de segunda linha, caríssima e causadora de vários efeitos colaterais. O poder público simplesmente não comprava tais remédios, de modo que os doentes ficavam entregues à própria sorte. Isto sem falar nos outros problemas, a falta de vagas, a falta de pessoal.
Tudo isto mudou. O tratamento passou a ser sobretudo ambulatorial, e o programa gaúcho de combate à doença, brilhantemente conduzido pelo dr. Werner Paul Ott, ficou conhecido mundialmente pela eficiência. No próprio Sanatório, o estabelecimento de rotinas, de metas, de critérios de avaliação (e nisto tudo destacava-se o dr. Clovis Heitor Tigre, notável epidemiologista) traduzia-se em alto percentual de curas. Devo dizer que fiquei fascinado com uma medicina que, com lógica científica e administrativa, pensava não só nos doentes, pensava na população. Daí para a saúde pública foi um pulo.
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No lugar em que foi construído o Partenon existia um outro, e precaríssimo estabelecimento, o Hospital São José, que se destinava ao isolamento de doentes portadores de pestilências como a varíola e que agora completa um século. A exposição Caminhos do Partenon: do Hospital de Isolamento ao Sanatório, que está no Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul (leia mais na contracapa), lembra esta fase. Visitem-na e constatem: a saúde pública em nosso Estado melhorou, e melhorou muito.
Zero Hora (RS), 29/5/2010