O XXIII Seminário da Academia da Latinidade, recém-realizado em Córdoba, confrontou-se com os extremos da desconfiança internacional, levando ao inédito terrorismo dos nossos dias. Ressoa a primeira resposta da Al-Qaeda à chegada de Obama ao poder, e à possível mudança de atitude do mundo muçulmano radical. Al-Zawahiri, guru de Bin Laden, é peremptório: converta-se Obama ao Islão, e leve seu país a segui-lo para então pensarmos no desarme da ,civilização do medo".
No seu livro, ,,A Absolvição", o porta-voz da Al-Qaeda encara os rumos de um futuro ligado à plena e irrestrita afirmação contemporânea do Islão. Reflete a expansão demográfica das últimas décadas do maometismo, não só a religião que mais cresce hoje, mas a que enfrenta a laicidade, vista como intrínseca à modernização.
Não se está, pois, no caminho esperado pela ONU, de que se poderia voltar à cultura da paz" do começo do século, implodida pela explosão das torres do WTC. Não se trata de admitir-se, neste momento, inclusive, um pluralismo na melhor tradição histórica, aliás, do Islão com os incréus, tal como demonstrado pelos sucessivos califados na expansão mediterrânea do credo de Maomé.
A Conferência de Córdoba atentou a esse contraste, entendido como a resposta da irracionalidade, ou da desforra histórica, em que a visão da Al-Qaeda é a do revide à dominação do Ocidente, que se viu como única e estrita civilização a partir do Renascimento. E, tal, na convicção imperial que assumiu essa cultura, identificável ao Cristianismo, em toda a primeira globalização ibérica, no ciclo das grandes navegações, seguida do mercantilismo holando-franco-britânico, chegado aos extremosorientais. Mais se acelerou esta dominação, diante dos infortúnios islâmicos do século XIX, rematados pela revolução de Ataturk, ou pela recuperação da diáspora pela criação do Estado de Israel.
Até onde, de fato, os Estados Unidos de Obama estão vivendo a trégua de Bin Laden, e não é de se esperar ataques similares ao de Nova Iorque, nas grandes torres de Chicago ou Los Angeles, objeto da vigília obsessiva da segurança americana? Mas o que importa, já, é tentar o degelo possível a partir de frentes, como a da proscrição do terrorismo pelo governo Kadhafi, ou o debate com o Iêmen, país em que a Al-Qaeda está na iminência de assumir o poder.
O mais importante, assinalaram diversos debatedores em Córdoba, é, desde agora, nos Estados Unidos, superar a suspeição dos muçulmanos como inimigos latentes, cercados num gueto inarredável. O desemperro no diálogo das civilizações só começa a se dar conta dos novos protagonismos internacionais de aceitação de identidade política de nações e blocos, fora da velha relação centro-periferia do Primeiro Mundo, ainda imobilizados na sequela das polarizações pós-Guerra Fria.
Ressaltou-se, no encontro, a posição internacional de nosso País no Oriente Médio, sobretudo na insistência do reconhecimento internacional do Irã, invertendo, inclusive, o círculo vicioso entre a renúncia à indústria nuclear e acondição de voltar à convivência entre as nações.
A liderança assumida pelo presidente Lula, até em escaramuça com Obama,para a trazida já do governo Ahmadinejad à audiência da ONU, avança no rumo de uma globalização não-hegemônica. No conteúdo previsível desse novo e criativo ,,vis-à-vis", por força predominam as discussões dos direitos humanos, vistas pelos extremistas islâmicos como uma ,,ideologia ocidental".
O debate de questões limite agora, em Córdoba, significativamente, cidade da fronteira europeia-muçulmana na Andaluzia, abre o questionário inédito do que seja o verdadeiro humanismo do nosso tempo, reconhecendo a perda do laicismo como sinônimo da modernidade, e o perigo da guerra de religiões. E um dossiê de interlocuções fora da clássica retórica das boas-vontades internacionais aguarda o entrevero, no Rio de Janeiro, de uma nova visão de futuro, na iniciativa em que se adiantaram a Espanha, a Turquia e o Brasil, no aprofundamento realista da Aliança das Civilizações.
Jornal do Commercio (RJ), 10/5/2010