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Cem anos de ensino industrial

 

Uma visita ao Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) do Rio de Janeiro, que hoje abriga cerca de 10 mil estudantes de ensino profissional, coloca para nós a matéria na ordem do dia. Será mesmo esse o caminho para a valorização dessa importante usina de fornecimento de recursos humanos para o nível intermediário? A primeira impressão é altamente positiva, pois os estudantes da escola do Maracanã são unânimes em afirmar a qualidade do que lá é ensinado e aprendido.


Por outro lado, o mercado se mostra atraente, como se vê nos campos da siderurgia e do petróleo e gás. São milhares de empregos oferecidos e até se chegou, agora, a uma orientação quase absurda: foram contratados 600 técnicos chineses para operar em Sepetiba (RJ), o que é muito bom para a China, mas não necessariamente para o Brasil.


A leitura do livro do educador paraibano Itapuan Bôtto Targino, 100 Anos do ensino industrial brasileiro, mostra a necessidade de repensar a profissionalização no nosso país, através dos seus fundamentos.


Em 1818, com a criação do Corpo de Artífices, que ocupou o Seminário de S. Joaquim, D. João VI mandava recrutar, para aprendizagem de ofícios, “todos os rapazes de boa educação que quiserem nele entrar”. Infelizmente, assim não aconteceu, pois o ensino profissionalizante passou a caracterizar-se como ensino para infelizes, desamparados e deserdados da sorte. No ano seguinte foi criado, na Bahia, o Seminário dos Órfãos, que preparava aqueles sob a tutela do Estado, dando-lhes uma carta de ofício em diferentes modalidades.


Esse foi o grande estigma que marcou o ensino profissionalizante brasileiro, inclusive realçado por Celso Sucow da Fonseca, quando se pronunciou a respeito: “Já se não vai mais falar em todos os rapazes de educação que quiserem nele entrar, mas nos desfavorecidos pela fortuna, nos deserdados da sorte”.


O tempo não mudou a filosofia implantada à época. Em 1822, com a Independência, em vez de surgir nova fase para esse tipo de ensino, houve, sim, uma interrupção no processo. Pedro II, um intelectual sempre dedicado às causas da educação, em 1854, tornou a se preocupar com o ensino profissionalizante. Mais uma vez, foi mantido o velho preconceito, e o caráter de inferioridade permaneceu. Foram criados o Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant e o Instituto dos Surdos Mudos (1856).


Grandes nomes como Ruy Barbosa, Tarquínio de Souza, autor do livro O ensino técnico no Brasil” (1886) e Joaquim Nabuco defenderam o ensino profissional, sendo que este último afirmava, em artigo publicado, no jornal O País (1887): “A atual educação incute no próprio filho do operário desprezo pela profissão do pai, pela classe a que ele pertence. Uma sociedade onde os filhos têm vergonha do ofício decente, graças ao qual o pai pôde educá-los, precisa de alguma reforma social”.


Com o presidente Nilo Peçanha, no começo do século 20, o ensino técnico-profissional foi destinado a crianças desvalidas, o que marcou profundamente as suas características. Esse estigma prevaleceu na Emenda Constitucional de 1937, quando se afirmou que “o ensino técnico-profissional será destinado às classes menos favorecidas”. Só a partir da segunda metade do século passado é que houve mudança de orientação. O ensino técnico passou a ser considerado como essencial, no quadro das ofertas democráticas de educação.


É, pois, com esperança que assistimos ao atual empenho do presidente Lula em valorizar o ensino técnico, criando um grande número de escolas especializadas.


Correio Braziliense, 22/5/2010