Os últimos resultados das interações do voto presidencial marcam as tendências para ficar, no pleito de outubro próximo. Refletem, ao mesmo tempo, a configuração decisiva do número de candidatos, com a saída de Ciro Gomes e a redução do número de indecisos. O que está em causa, sobretudo, é a certeza da transferência do eleitorado de Lula para Dilma. Permanecia o cipoal das incertezas, que beneficiaram as chances de Serra. Via-se o presidente prisioneiro de seu fascínio pessoal, e do carisma intransferível, quando agora desponta o pedagogo, decidido a cravar a sua sucessão.
É a retribuição que lhe empresta, de logo, o seu eleitorado, pelo sacrifício de um terceiro mandato, tão ao contrário do que faria um Chávez brasileiro. O que avança é a contaminação irradiante da fala de Lula, dos lugares-comuns, da intimidade verbal, que cria esse coloquial inédito da cultura política brasileira.
Registrou-se o contrário da distância magnífica, de toda majestade do êxito que marcaria um comportamento carismático, consagrado pelos índices inéditos de popularidade, ao fim de um segundo mandato. Pouco importam, por outro lado, ao avanço de Dilma, as diatribes e críticas à candidata. Nem será pela exploração de gafes da protagonista que se modificarão os pontos ganhos ou perdidos, na contenda dos próximos meses.
Não obstante, é nesse jogo perdido, de saída, que se está entrincheirando o serrismo e sua bateria mediática. Já se teria operado, na lógica eleitoral, a opção pelo continuísmo e o depois do Lula lá. E só vão crescer, na campanha, as imagens do presidente e sua sucessora indicada, surgindo os altos e baixos do currículo, os elogios ou denúncias com inócuos acidentes de trajetória.
As avaliações de competência ou experiência da candidata, o heroísmo de um passado de luta contra a ditadura, não pesam diante da consciência primária da mudança, ocorrida nos últimos dois mandatos, desta fruição de um novo bem-estar coletivo, nascido da saída de 18 milhões de famílias da marginalidade, de par com o acesso aos serviços de educação e saúde, independentemente do ingresso no mercado de trabalho. Essa percepção se antecipa a toda ideia de uma obrigatoriedade da rotação no Planalto, pela presunção de toda usura de um governo, após dois mandatos.
Entendeu a nova conjuntura, de imediato, Fernando Henrique Cardoso, ao clamar por uma chapa puro-sangue, de Serra e Aécio, para apostar no que de melhor tenham os tucanos, a frear de vez o disparo de Dilma. Os maquiavelismos regionais, as combinatórias para a escolha de vices, os aliancismos clientelistas cessariam diante desta polarização, em que os tucanos confiariam ainda num Brasil residual das elites e das classes urbanas do Brasil rico. Embalde, entretanto, esta estratégia prevaleceria diante de uma opção que não vai a nomes, mas a certezas do que não quer de volta.
Jornal do Brasil, 26/5/2010