Não foi fácil para o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho, com toda a sua experiência, escrever obra original sobre um dos nossos mitos, Rui Barbosa. Levou quase 10 anos acumulando informações, reproduzindo textos saborosos, avançando e refletindo sobre a vida desse que foi, pela sua cultura e inteligência, “a águia de Haia”. Murilo ia guardando as jóias do pensamento de Rui, quase secretamente, até que a ousadia de um amigo falou mais alto: não resistiu ao apelo do paraibano Nelson Coelho, bom farejador de textos, que o queria para os trabalhos literários da Editora A União. Nasceu assim “O brasileiro Rui Barbosa”, livro precioso, lançado com grande sucesso, em João Pessoa, na Casa José Américo.
Sou quase suspeito para escrever sobre Murilo Melo Filho, um amigo fiel de mais de 50 anos. Convivemos na Revista Manchete, de gloriosos feitos jornalísticos, e da qual ele era um dos pontos luminosos, como repórter político independente e muito bem informado. Brasília lhe deve bastante, historiador que acompanhou os seus primeiros passos, ao lado do saudoso JK, que o tinha como precioso confidente.
Vamos ao livro, que é o objeto principal deste artigo. Nele, Rui é analisado de todas as formas, nas vitórias e nas derrotas. Sim, o grande brasileiro, na política, sofreu grandes reveses, o maior dos quais na sua candidatura à presidência de República. Esteve durante mais de 10 anos na presidência da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Machado de Assis, o que não era tarefa das mais simples. Boa parte do mandato ele não exerceu, pois deixou de frequentar a ABL, por motivos pessoais.
Rui também perdeu a batalha da reforma do ensino primário. Foi relator da Comissão de Instrução Pública da Câmara. Diziam, na época, que a sua presença na Comissão “valia por uma bancada inteira”. E nem assim os antológicos pareceres de 1882 e 1883 foram aprovados. Murilo registra que ali foram tratadas questões até hoje oportunas, como matrículas, frequência, evasão, repetência, má remuneração dos professores, instalações precárias nas salas de aula, analfabetismo, ensino musical, educação física, desenho e trabalhos manuais. Como se vê, se considerarmos o conjunto da educação brasileira de hoje, a radiografia continua atualizada. O que levou Rui a uma série de comentários bastante judiciosos:
“Temos de retirar a escola da sua precária tarefa de funcionar como simples mecanismo de diplomar a incapacidade.”
“Os maus alunos serão maus professores, que, por sua vez, serão péssimos líderes.”
“Esta Reforma é uma das maiores prioridades da Pátria, justamente humilhada pelo estágio em que se encontram a escola e a educação. Sem ela, não haverá transformação social neste País.”
Apesar de todo esse empenho, o trabalho de Rui foi recusado, em parte porque foi acusado de ser cópia de modelos estrangeiros, especialmente da Alemanha.
Vale a pena ler o livro de Murilo Melo Filho, figura destacada da Academia Brasileira de Letras.
Jornal do Commercio, 1/5/2010