O Dr. Jekill era um médico competente. Acima de tudo, um homem decente. Mr. Hyde era um maníaco sexual que chegou a praticar crimes de morte. Os dois conviviam no mesmo indivíduo, a passagem do bem para o mal era a consequência de pesquisas em que o médico queria penetrar na alma humana.
Sem chegar a tal e tanto radicalismo, nem para o bem nem para o mal, Fernando Collor teve sua acidentada experiência de Mr. Hyde. Foi punido, sofrendo impeachment na Presidência da República e tendo seus direitos cassados. Cumpriu as duas penas e foi devolvido à sociedade in albis, ou seja, em condições de se reabilitar como cidadão e político.
Recentemente, pisou outra vez na bola. Numa altercação com um colega do Senado, espantou a nação com a virulência de sua resposta e sua expressão facial: ponto para Mr. Hyde.
Entretanto, o Dr. Jekill começa a despontar em sua participação na vida nacional, presidindo importante comissão no Senado da República. O relatório que apresentou sobre os trabalhos dirigidos por ele é uma peça que honraria qualquer homem público. Seus colegas reclamam que ele começa a trabalhar às 8h30, sabe cobrar resultados, redige bem e fala ainda melhor.
Pouco a pouco, a estranheza que provocara entre seus pares, obrigados a conviver com um réprobo, vai se diluindo diante da evidência de sua capacidade de trabalho e sua correção para com os assuntos importantes, como o aviso que deixou sobre a exploração do pré-sal, contrariando o otimismo desvairado de parte do governo e dos otimistas profissionais.
Tudo agora dependerá somente dele na reconquista de seu prestígio como homem público. O Dr. Jekill tem muito trabalho pela frente para que esqueçamos o Mr. Hyde.
Folha de S. Paulo (RJ), 19/11/2009