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Vai para a Feira do Livro

 

Eu ia subindo a Protásio – um trajeto habitual em minhas caminhadas de fim de semana –, quando avistei um lotação Chácara das Pedras que vinha descendo a avenida. Trazia, no para-brisa, um pequeno cartaz que me chamou a atenção: “Vai para a Feira do Livro”. Era óbvia a razão da informação: certamente em muitas paradas pessoas haviam perguntado ao motorista: “Vai para a Feira do Livro?”. Uma indagação a que o cartaz respondia antecipadamente.


Este cartaz é, a propósito, motivo de orgulho para nós, porto-alegrenses e gaúchos. Mostra que, ano após ano, nossa Feira do Livro continua atraindo visitantes. Mas reparem no tom neutro da frase: “Vai para a Feira do Livro”, assim, sem nenhum sinal gráfico no final. Este sinal poderia ser, por exemplo, um ponto de exclamação: “Vai para a Feira do Livro!”, ou dois: “Vai para a Feira do Livro!!”, ou três: “Vai para a Feira do Livro!!!”.


Ficaria melhor?


Acho que não. O ponto de exclamação aí poderia ser um sinal de júbilo, de alegria – oba, estamos indo para a Feira do Livro, aquilo lá é festa –, mas poderia ser também interpretado como uma ordem: vai para a Feira do Livro, meu jovem, está na hora de começares a ler um pouco, onde é que se viu, sem leitura as pessoas não progridem. Ora, o mundo do livro, o mundo do texto, não é um mundo no qual se deva entrar por obrigação. Este era um erro frequente no passado: nas escolas, os alunos eram obrigados a ler os clássicos, por exemplo. Os clássicos são obras importantíssimas (pensem em Os Sertões), mas em sua maioria foram escritos no passado, numa linguagem que, para o jovem de hoje, é de leitura difícil. Portanto, ordenar autoritariamente a alguém que leia não é a melhor forma de introduzir esse alguém à leitura.


Quem sabe um ponto de interrogação? “Vai para a Feira do Livro?”. Bem, isto já é melhor, porque a pergunta supõe um diálogo. Ah, vais para a Feira do Livro, que interessante, podes embarcar. E o que pretendes fazer lá? Que livros te interessam? E assim por diante, uma sucessão de interrogações desencadeada por aquela do cartaz.


Mais uma possibilidade: reticências. “Vai para a Feira do Livro...” Aí o enfoque é outro. É o enfoque do mistério: a Feira do Livro... Muita coisa pode acontecer na Feira do Livro... A gente pode descobrir livros surpreendentes... A gente pode encontrar alguém que partilha de nossos interesses, de nossas curiosidades...


Boas possibilidades. Mas, ao fim e ao cabo, o melhor mesmo é escrever a frase como estava no cartaz do ônibus. O melhor é avisar que há Feira do Livro e que a gente pode chegar lá. O resto fica por conta da imaginação. Coisa que a literatura já descobriu há muito tempo.


Zero Hora (RS), 3/11/2009