Mais que a surpresa do próprio contemplado, o que espanta é a reação pelo recebimento do Nobel da Paz por Obama. Ao lado do aplauso, amplia-se um equívoco, entre mesquinho e ingênuo, para não se falar no prematuro da outorga do prêmio pelo Presidente americano. A distinção não tem nada de nostálgica, nem de outorga de uma honraria a um militante egrégio da luta pela paz. Mesmo porque esta se altera fundamentalmente hoje por uma nova e radical visão do que seja, após as hegemonias duras, um tempo das diferenças e de sua coexistência, num horizonte democrático aberto.
Não há mais a falar apenas em esforços para a abolição das guerras nucleares, como se estivéssemos ainda nos despojos da guerra fria. Nem há como a honraria ao Presidente ser julgada, apenas, pelo marco de partida de seu mandato. A tarefa que hoje premia o Nobel é muito anterior, e arranca desta reconversão dos Estados Unidos aos seus princípios democráticos basilares.
No inédito da campanha, no desassombro com que mobilizou a maioria do país aos valores de uma consciência cívica, reinstala-se a importância do voto cidadão. Sobretudo, no levar o país imenso à sair da "civilização do medo", e da trincheira em que o pior dos fundamentalismos da guerra preemptiva à mentira para justificá-lo e a permanência das invasões militares em Ultramar.
Não é um prêmio prematuro ou prospectivo. Mas o feito, absolutamente imprevisível, ainda há um ano, passou por uma campanha eleitoral a não só derrubar o radicalismo conservador coriáceo, mas as próprias e clássicas realpolitks democráticas, que teriam levado Madame Clinton e todo seu dé-jà-vu à Casa Branca.
A multiplicidade de falas do presidente começa por ter mostrado a mudança da escala do protagonismo americano, dentro de verdadeiros horizontes para a socialização interna do bem estar nos seus programas de saúde, ou no novo descortino do avanço universitário, ou no desmonte, e de vez, dos "eixos do mal", no ver-se o mundo armado contra os Estados Unidos. A resposta, até do extremismo de um Islão radical à outorga do prêmio a Obama é, até, a de abrir-lhe um crédito de confiança paradoxal, como demonstrou Al-Zawahiri, o guru de Bin Laden. Um presidente de origem africana em matriz de cultura muçulmana poderá, ou não, na hipótese extremada do clérigo egípcio, levar, quem sabe até os Estados Unidos à verdade do Profeta.
De toda forma, não é um prêmio ao futuro de Obama que se celebrará agora em Oslo, mas o acerto do comitê em marcar a vertiginosa aceleração da história, em que saímos do impasse do 11 de setembro e de uma "guerra de religiões". Tão contundente é hoje a mensagem da Casa Branca, que volta a levantar o pavor, pela sua demasia de mudança, à puxada de gatilhos pelos red necks do pior conservatismo do interior americano. Lincoln ou os Kennedys lembram sempre este trágico viés americano, do dito assassinato cívico de seus presidentes. Viu o mundo, no sorriso de Obama, a partilha de uma alegria universal. E a mostrar, sobretudo, que a democracia é, de fato, o novo nome da paz.
Jornal do Commercio (RJ), 16/10/2009