A dor fantasma, aquela dor sentida pela pessoa numa parte do corpo que não mais existe (por exemplo, uma perna amputada) é um intrigante e penoso fenômeno conhecido desde a antiguidade. Por razões óbvias era sempre mais notado depois de guerras, quando o número de amputados crescia muito. Foi assim que, após a guerra civil americana, o famoso neurologista Silas Weir Mitchell observando que “milhares de membros fantasmas estavam perseguindo e atormentando muitos bons soldados” cunhou a expressão. Mas Mitchell ficou tão perturbado pela estranha situação que publicou seu relato não numa publicação científica, mas num pequeno jornal, e mesmo assim sob pseudônimo.
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O que é compreensível. A dor fantasma atormenta aqueles que dela sofrem e chega a inspirar reflexões de natureza até filosófica e religiosa. Assim, Lord Nelson, que comandou a frota britânica na guerra contra Napoleão, e que perdeu o braço direito em combate, passou a sofrer da dor fantasma, mas extraiu disso uma consoladora conclusão. Se o braço pode, dizia ele, de alguma forma sobreviver à amputação, também nós podemos sobreviver à morte através da vida eterna. Mais recentemente a escritora norte-americana Janet Sternberg escreveu ao New York Times comparando a ausência das torres gêmeas destruídas por ato terrorista com a dor fantasma. Aliás, a expressão mobiliza a imaginação, dá título a contos, romances, canções. O neurobiólogo Sidarta Ribeiro que chefia o laboratório do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (RN) comenta: “Um poeta diria que o cérebro transforma em incômodo a saudade do pedaço que perdeu.”
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Mas não é uma saudade que as pessoas gostem de sentir, nem é coisa imaginária, muito menos ligada a perturbações emocionais: estudos mostram que o perfil psicológico de pessoas com dor fantasma não é diferente daquele encontrado na população em geral. Ainda se discute qual o mecanismo da dor fantasma. Sempre se pensou que tivesse origem na extremidade seccionada de nervos, mas é bem possível que haja uma participação da medula espinal e do cérebro. O certo é que é muito frequente. Aparece, em maior ou menor grau, em cerca de 80% das pessoas que sofreram amputação, sob a forma de dor, de coceira, de sensação de calor ou frio, ou de movimentação, do membro imaginário. Novos tratamentos estão sendo propostos e eles nos dão a esperança de que um dia a dor fantasma seja um fantasma do passado.
Zero Hora (RS), 22/8/2009