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De bispos, camelos e tapetes

 

ESTOU DIANTE do notebook e procuro assunto para esta crônica. Quis o bom Deus que, ao contrário de outras semanas, assunto não me faltasse. Brigas no Senado, gripe suína, a candidatura de Marina Silva para bagunçar os planos de Lula, as dívidas de Romário, enfim, o cardápio é variado e sustancioso.


Prefiro, no entanto, ficar num assunto marginal, duplamente marginal: os problemas criados em torno de um senhor chamado Edir Macedo, que usa e abusa do título de bispo. Embora devoto de Santo Antonio e São José, sou ateu convicto e tanto se me dá um bispo a mais ou a menos, de tal ou qual religião.


Em muitos sentidos, todas têm a mesma base, e a do sr. Macedo não chega a ser uma religião, mas um culto à parte, oriundo de um dos ramos das igrejas evangélicas que são muitas, tendo como núcleo a interpretação quase individual dos textos bíblicos.

Isso no que diz respeito à sua doutrina. Na prática, umas são mais liberais, outras mais conservadores, grande número delas se apoia na atividade carismática, fazendo ou prometendo milagres instantâneos ou a curto prazo, bastando a fé em Jesus Cristo e o pagamento do dízimo.


Acontece que, ao longo da história, os fundadores, apóstolos e praticantes de diversos cultos foram perseguidos, alguns deles sacrificados, outros presos e discriminados, como até bem pouco tempo eram os adeptos das seitas afro-brasileiras que chegaram a ser caso de polícia. Presos, condenados eventualmente executados.

Tomando como base a religião cristã mais estruturada, vinda lá de trás, a única que pode usar do título de "apostólica", pois nasceu realmente em tempos apostólicos, tivemos o caso de Paulo de Tarso, que se orgulhava das prisões e espancamentos que sofreu na dura peregrinação por terras gentias.


Esse foi perseguido não apenas pelos povos pagãos, mas pelos próprios cristãos da nascente igreja de Jerusalém, comandada por Pedro, príncipe dos apóstolos, que não aceitava a pregação universal daquele adventício que chegara a combater com armas os próprios cristãos, dos quais mais tarde se tornaria, depois do fundador, o mais eficiente propagador e intérprete.


E o próprio Cristo foi acusado de charlatanismo, de enganar o povo, de promiscuidade sexual e, por fim, de subversão: acabou, como sabemos, em cima do Calvário, pregado numa cruz que se tornou sinal de ignomínia durante três séculos, até que o imperador Constantino visse uma no céu: "In hoc signo vinces". Com este sinal vencerás.


Evidente que não estou fazendo comparações, nem aproximações. Mas todos os movimentos religiosos foram combatidos em suas nascentes pelo poder e pelas classes dominantes. Nem mesmo o judaísmo deixou de ser um "out law", do ponto de vista do imperialismo egípcio. Se o Mar Vermelho não tivesse aberto suas águas para Moisés passar, e logo em seguida, fechado as mesmas águas, os soldados do faraó teriam impedido a fuga para o deserto, para o Sinai, para a Torá.


Maomé sofreu o diabo e parece que terminou rico, tão rico como o sr. Edir Macedo, só que não vendia espaço na TV, mas camelos. Não pretendo dar lições a ninguém, muito menos a um cidadão que se diz bispo. Mas basta a leitura de alguns trechos das epístolas de São Paulo para buscar um paralelo impressionante, embora o autor da Carta aos Romanos, um dos pilares da religião que pregava, não vivesse de dízimos nem de aplicações financeiras, mas era tapeceiro, vivia de fazer e vender tapetes, que não deviam ser lá essas coisas. Pelo menos não sobrou nenhum para contar a história.


O que a história realmente conta é que, mais cedo ou mais tarde, quando as religiões são oficializadas, estruturadas em seu culto e doutrina, elas tendem monotonamente a perseguir e a desprezar os começos de qualquer outro culto ou doutrina.


Foi assim e parece que assim sempre será. Mas à medida que a barra fica pesada, sobretudo para os segmentos mais miseráveis da sociedade, a busca pelo milagre e pela salvação é a boa semente para todo aquele que, em nome desse ou daquele Deus, oferece à fome da alma humana o milagre da saúde e o pão da esperança.


Folha de S. Paulo, 21/8/2009