A invenção da fotografia teve, sabidamente, um grande impacto na teoria e na prática da pintura. Não que a grande pintura jamais tenha sido de índole fotográfica – índole essa encampada apenas pelos hiper-realistas – mas a verdade é que o surgimento da representação instantânea e exata através da união da própria natureza com o engenho humano pôs em discussão a representação em si. Tal fato, unido àquele anelo por uma arte pura que só a música conseguiria ser – a mesma que fascinou os simbolistas no campo literário – acabou fatalmente levando à abstração, e ao seu período de domínio quase totalitário, como sempre acontece, em determinado período do século XX.
Se a renúncia à figuração privava a arte de um dos elementos que podem contribuir à sua polifonia sensorial, ou seja, o tema representado, inegavelmente ela conseguia suprir essa renúncia pela força da liberdade formal, como sentimos, apenas como exemplo, no expressionismo abstrato de um Arshile Gorky ou na action painting de um Pollock. Na exata fronteira dessas duas postulações podemos localizar, no entanto, um pintor genial como Nicolas de Staël, que conseguia ser figurativamente abstrato ou abstratamente figurativo.
É exatamente nessa fronteira que se situa a arte do grande pintor chileno, radicado no Brasil, Urbano Mena. Há elementos figurativos, às vezes claramente, às vezes sutilmente entrelaçados à estrutura muito exata de suas telas, que, apesar disso, mantêm uma eficácia plena de pura abstração. A beleza cromática, a harmonia morfológica das manchas agregam os elementos figurativos a uma totalidade que aparentemente prescindiria deles, mas que com eles apenas se enriquece, não renunciando àquele elemento polifônico do tema a que nos referimos há pouco. Uma festa para os olhos e para o espírito, a pintura de Urbano Mena se situa na tangência de dois universos, além dos sectarismos, em pleno terreno da liberdade e da beleza.