O gato e a missão
Como se não bastassem os problemas antigos e os recentes, eis que consigo mais um: minha filha viajou e deixou-me um gato por missão. Isso mesmo: missão.
Como se não bastassem os problemas antigos e os recentes, eis que consigo mais um: minha filha viajou e deixou-me um gato por missão. Isso mesmo: missão.
Há tempos só tenho lido biografias. Não é nada, não é nada, cada uma vale por um romance no sentido comum da palavra, ou seja, pega a vida do berço ao túmulo, descreve suas glórias e misérias e, ao mesmo tempo. detalha o painel humano em que viveu.
Eu o conheci velho, ainda rijo e saudável, com suas terríveis pupilas negras. Já era tio antes mesmo de ter sobrinhos. Era um título mais ou menos impessoal, dizia-se "tio" como se diz "chove": uma ação que não tem sujeito nem precisa ter complemento.O grande lance de sua vida fora o prêmio da Loteria de Natal que ganhara, segundo alguns, em 1929, segundo outros, em 1926.
Os franceses desprezavam os gregos. Os gregos desprezavam os italianos. Os italianos desprezavam os egípcios, os egípcios desprezavam todo mundo e todo mundo desprezava os judeus. A frase é de Roger Peyrefitte, descrevendo o ambiente da Universidade do Cairo por ocasião de uma das crises que envolviam o nacionalismo árabe.Pinço a frase e medito sobre ela. Infelizmente, sempre foi assim, não apenas em relação à nacionalidade de cada um, mas também em relação ao sexo, religião, faixa etária, preferências literárias, musicais e fisiológicas. O desprezo pela opinião do outro, e mais do que pela opinião, pela condição do outro, acompanha a trajetória do homem pela história.Fala-se na juventude, espera-se dela um comportamento melhor, ela própria se acredita o estágio mais bacana da evolução do homem na face da Terra. Mas os jovens se formam e informam através do desprezo e desse modo repetem e agravam o incrível carrossel de burrice e violência que acompanha a humanidade desde que o primeiro macaco descobriu que, com o osso do seu inimigo, podia matar os inimigos. Foi assim que o macaco deu o salto na escala zoológica e se tornou antropóide, mais tarde homem.No caso daqueles que se acreditam na vanguarda da história, eles apenas mudam o objeto do desprezo, a gíria, o visual, mas continuam a repetir a mesma tolice das gerações anteriores, dividindo primariamente o bem do mal, o vermelho do preto, o sim do não. Outro dia, reli as cartas que Mário de Andrade insistia em mandar a seus admiradores. Ele rompia com um passado na medida em que criava um novo passado. A condição de jovem acaba se limitando a uma veste, a códigos que já nascem velhos.É bobagem negar o passado, que nada mais é do que a sucessão fluida de presentes.
Não era exatamente um folião. Mas, de cara cheia, topava um baile ou outro, principalmente os da pesada.
Pensaram que Cristo fosse um terrorista argelino ou um travesti do Bois de BoulogneRecebi, por via postal, duas mensagens do próprio Cristo. Na verdade, trata-se do sr. Inri Cristo. O nome é estranho, mas é esse mesmo. Anos atrás, o sr. Inri Cristo chamava-se Antuérpio Gonçalves Mendes e nada de admirar que tivesse a necessidade de mudar de nome. Morava em Curitiba e exercia o nobre ofício de bancário.Deu-se que o sr. Antuérpio ouviu vozes, convocando-o a assumir a sua verdadeira identidade, que outra não era senão a de Filho Primogênito do Deus Único e Verdadeiro. Abandonou a família, que o tomava como vulgar maconheiro, abandonou as vestes profanas e o ofício, passando a se dedicar, em regime "full time", à sua inarredável missão.
Foi generalizada a impressão de que Alckmin se saiu melhor no primeiro debate com Lula, na Bandeirantes. Nem por isso aumentou sua aceitação no eleitorado, pelo contrário, perdeu três pontos, com Lula abrindo uma diferença de 11 pontos. Duas considerações sobre esse fato. Primeira: num debate, o que vale não é o apelo à razão, mas o tom de indignação com que se ataca ou se defende. Alckmin mostrou-se indignado, acuando Lula diversas vezes. E isso contou pontos para a sua performance no debate. Segunda: por maior que seja a audiência dos debates na TV, o grosso do eleitorado não toma conhecimento deles. Mais da metade da população não lê jornais e revistas, votando por empatia pessoal com os candidatos. Isso explica desde o meio milhão de votos que o estilista Clodovil conquistou em São Paulo até a liderança de Lula nas pesquisas, sempre em primeiro lugar, apesar de todos os escândalos que marcaram os últimos meses de seu governo. O eleitor médio vota em Lula porque ele é pobre, faz o gênero gente como a gente. Depois de anos em que os dirigentes do país foram da classe rica e instruída, a opção preferencial é por um pobre que se orgulha de ter a mãe analfabeta. A menos que ocorra um fato realmente novo, apesar dos debates que ainda virão, o eleitorado poderá mudar de opinião sobre Lula, mas não de dar seu voto àquele que o representa política e socialmente.Fernando Gasparian foi uma das principais referências culturais do Brasil contemporâneo. Comovente a sua luta contra o regime militar. Tenho orgulho de ter sido um de seus admiradores incondicionais. A última vez que o vi, era o mesmo Gasparian dos tempos de luta por um Brasil mais justo e civilizado.
Os jornais da cidade de São Tomé das Três Lagoas receberam denúncia, de pessoa que pediu para não ser identificada, de que o prefeito comprara um elefante por um milhão de reais e pretendia aumentar a renda do município com a exposição do elefante, uma vez que, num raio de 300 km, ninguém sabia como era ou podia ser um elefante.
O debate de domingo na Rede Bandeirantes, em que pese a eficiência técnica de sua produção, foi de pasmosa inutilidade política e eleitoral. Se a parte técnica merece elogios, o conteúdo a cargo dos dois presidenciáveis foi de uma mediocridade desoladora.
Uns dias de molho e fiquei sem passar pela praia de Copacabana, que desde a minha infância faz parte do meu itinerário urbano. Ontem, aproveitando a tarde bonita, peguei a avenida Atlântica na direção Leme-Posto Seis.
A busca de apoios para o segundo turno vem demonstrando que a ética (uma expressão-bonde que comporta diversas variantes) está sendo a tônica dos candidatos que fizeram da moralidade o diferencial de suas campanhas. Temos o caso da Denise Frossard, que desaprova seu candidato inicial (Alckmin) por causa do apoio de Garotinho, um apoio que não pode ser recusado.
No primeiro turno, alianças foram feitas em busca de mais espaço na TV. Parece absurdo, mas foi uma realidade. Agora, no segundo turno, esperava-se que as alianças fossem motivadas por idéias e programas comuns. Não é o que está acontecendo.
Quando publiquei o meu terceiro romance, em 1960, alguns críticos consideraram o título ("Tijolo de Segurança') enigmático e de mau gosto.
Causou perplexidade, sobretudo na mídia, a eleição de alguns candidatos que foram genericamente considerados "exóticos". Uma lista complexa, mais ou menos aleatória, que inclui desde a eleição de Fernando Collor para senador por Alagoas até o estilista Clodovil, que ameaça ser um deputado chique. Tudo bem. Presume-se que um deputado chique não participe de mensalões nem da vampiragem dos sanguessugas. Quanto a Collor, nada de exótico encontro em sua eleição. Ele sofreu o impeachment porque violou diversas regras do jogo político-administrativo. Foi punido, cumpriu a pena e, agora (acredita-se), pode ser absorvido pela sociedade no fundo. Esta é a finalidade básica das punições a qualquer crime: a integração na sociedade. É evidente que em alguns casos houve o voto de protesto, que em eleições passadas ameaçaram eleger um Cacareco e o Macaco Tião. Neste particular, melhoramos muito. Outra perplexidade que a mídia vem destacando é a eleição de Paulo Maluf. A se dar crédito à mídia, Maluf é o morto político mais vivo e notório da nossa vida pública. Há seguramente 20 anos, de tempos em tempos, decreta-se a sua morte política, no entanto, sempre que há eleição, ele ressuscita com boa margem de votos. Não dá para se eleger governador ou prefeito. Mas, para obter um lugar no Congresso, tem um capital próprio de votos que não emigram para outros candidatos.
Pensando bem, e com exceção de casos isolados nos diversos níveis das eleições de domingo, os resultados eram mais ou menos esperados: sobretudo a queda de Lula e a surpreendente arrancada final de Alckmin.Tenho a impressão de que, se a eleição fosse daqui a uma semana, Lula nem chegaria ao segundo turno. Embora não comprometido fisicamente com a novela do dossiê com que o PT tentava bombardear o PSDB, Lula pegou as sobras e pegará outras tantas à medida que as investigações prossigam até uma apuração final e fatal para o PT.Curiosamente, o papel de Lula foi muito mais ambíguo no caso do mensalão. Ele garantiu e garante até hoje não ter nada com a corrupção que marcou os últimos meses de seu primeiro mandato. Quanto ao dossiê, me parece um fantasma, pois ninguém viu, ninguém leu, ninguém sabe se existe mesmo, mas produziu o fato incontestável do dinheiro que veio de fora para dar uma desastrada ajuda aos interesses petistas de torpedear as candidaturas tucanas. É difícil acreditar que Lula esteja envolvido nessa lambança eleitoral, como é difícil acreditar que ele esteja inocente das lambanças anteriores.Em todo caso, a lambança do dossiê foi de tal ordem que sobrou para todos do PT, inclusive para seu presidente de honra. Ele terá menos de um mês para recuperar a sua imagem de traído e abandonado pelo próprio partido que criou.