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Artigos

  • Ser ou não ser

    Acho que já tive a oportunidade de referir-me aqui às muitas glórias futebolísticas de Itaparica. Poderia estender tais glórias a diversos outros esportes, mas estes estão sujeitos a controvérsias, como a protagonizada por meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, já lá se vai algum tempo. Em acalorada discussão no Largo da Quitanda, ele sustentou que as Olimpíadas eram uma jogada ardilosa para subverter nossos valores mais caros e, principalmente, trocar nossas lindas mulheres pelos bagulhos dos gringos. Baseado na conformação física de algumas atletas estrangeiras que vira na televisão, notadamente as campeãs de lançamento ou levantamento de pesos, ele não conseguia compreender como aquelas jamantas descomunais podiam ser o ideal olímpico. Claro que era para ludibriar a gente. Queriam convencer-nos a nos livrar de nossas mulheres, afamadas em todo o mundo pela sua excelsa formosura, e, em troca, recebermos ideais olímpicos, Deus que nos protegesse daquelas baleias parrudas, opinião esta acatada pela grande maioria dos presentes.

  • Reescrevendo a História

    Não sei se vocês lembram, ou que fim levou, aquela história de censurarem, expurgarem ou proibirem um livro infantil de Monteiro Lobato, por aspectos considerados racistas. De vez em quando, fico um pouco impaciente e pergunto por que não proíbem logo “Os Sertões”, com tanto racismo contido na parte que todo mundo diz que leu, mas não leu, a referente ao homem. Deve ser porque de fato não leram, senão a grita ia poder começar até mesmo por Itaparica, onde somos todos, de acordo com a visão dele, mestiços neurastênicos do litoral. A antropologia da época tinha convicções que podem hoje ser qualificadas de racistas, mas era a ciência de então e no mesmo barco estão outros cuja obra haverá de merecer ser reescrita ou banida, como Oliveira Vianna ou Sílvio Romero. Imagino que devemos até nos surpreender por ainda não terem começado uma reavaliação da figura de Machado de Assis, sob a acusação de ele ter sido um mulato alienado metido a branco, ou uma condenação da crítica, por não o haver qualificado de maior escritor negro do Brasil.

  • Grave desfalque na seleção

    Há heróis anônimos, ignorados ou esquecidos, em toda parte. Não seria diferente em relação à Copa. Pelo país afora, tenho certeza de que muitos compatriotas estão tomando providências essenciais para ajudar a equipe brasileira a chegar ao hexa, que nunca serão reconhecidas e muito menos celebradas. Eu mesmo, modestamente, já contei aqui da oportunidade em que, na companhia de meu pai, colaborei com o sucesso do Brasil, na Copa de 58. Meu pai, que botava uma garrafa de uísque Cavalo Branco ao pé de nossa radiola Standard Electric de última geração, se perfilava na hora do Hino Nacional e usava o mesmo pijama que usou na vitória sobre a Áustria no primeiro jogo, ficou apreensivo porque, logo em seguida, não passamos de zero a zero com a Inglaterra. Mas, pouco depois, com os olhos acesos, me comunicou a descoberta sem a qual talvez aquela Copa não tivesse sido nossa.

  • A contratorcida

    Embora microscópica e por vezes até clandestina, sempre houve uma torcida brasileira contra o Brasil, em todas as Copas. Os componentes dessa falange têm, sob outros aspectos, pouco em comum entre si. Uns são do contra pela própria natureza, nasceram assim. Outros são apostadores frios e desalmados, que botariam uma graninha contra a própria mãe, se as probabilidades fossem boas, quanto mais contra o Brasil, cuja gentileza maternal está no Hino, mas todo mundo sabe que não é bem assim. Outros discordam do técnico e da escalação e preferem perder a Copa a perder a discussão. Outros são supremacistas, acreditando na superioridade congênita de alemães, ingleses, holandeses ou escandinavos. E, na minha remota juventude, os comunistas apátridas eram rotineiramente acusados de preterir o Brasil, em favor de qualquer país da Cortina de Ferro.

  • Ainda botamos fé

    Não se pode negar que o empate contra o México repercutiu mal em Itaparica, com as habituais exceções. Por exemplo, Gonçalinho Bode, que ninguém leva nem a pescaria na contracosta, porque, quando ele está presente, só se fisga baiacu, achou o resultado bom, conquanto não tenha assistido ao jogo, por não ter tevê e por ser sempre convidado a retirar-se do recinto assim que o time adversário pega na bola. Há muitos anos, dizem que Ary de Maninha iniciou um movimento para naturalizá-lo argentino, mas alguém dedurou o esquema e a Argentina decretou emergência nacional e fechou as fronteiras, portos e aeroportos. Merece também menção o caso singular de Tonho Profeta, assim alcunhado porque, aconteça o que acontecer, ele sempre aparece no Bar de Espanha pouco depois e, quando alguém menciona o ocorrido, estica o indicador e fala “eu não disse?” Pois é, ele também disse que o jogo ia empatar e ficou contente, embora se deva reconhecer que qualquer outro resultado teria efeito igual, Tonho nunca falhou. E sei que isto é uma digressão talvez condenável, mas não resisto a lembrar a ocasião em que pediram a Tonho para prever o resultado de um Ba-Vi.