Há dias, o celular de Heloisa, minha mulher, pifou. Algo a ver com a sobrecarga do WhatsApp, travando tudo e ameaçando apagar os endereços, mensagens, fotos, textos e vídeos que não estivessem na "nuvem". Precisou ser "reiniciado" na loja (escrevo essas palavras entre aspas porque não sei muito bem o que significam) e levou três dias para ressuscitar. Para muitos, três dias sem o bicho são uma eternidade.
Heloisa não é das mais dependentes do celular. Pode passar quase 30 minutos sem usá-lo e sem apresentar sintomas de abstinência, como tremores ou palpitações. Mas o mundo está agora tão organizado em função ou ao redor do celular que, sem ele, a vida ficou impossível —não se pode mais enviar ou receber mensagens, pagar contas, fazer compras, chamar um táxi, dividir 159 por 31 ou fritar um ovo.
Apesar disso, assim como Woody Allen, Luís Fernando Veríssimo e, dizem, Caetano Veloso, não possuo celular. Continuo com um telefone fixo, para o qual poucos ligam e que menos ainda atendem, porque pensam que sou o telemarketing. Como já não estou em idade de aprender eletrônica avançada, paciência.
Certa vez me contaram que, nos anos 80. quando O Globo informatizou sua Redação e instalou os computadores, os jornalistas, como se esperava, odiaram. Alguns até choraram ao ver as queridas máquinas de escrever partindo para o exílio no depósito. Meses depois, houve uma pane no sistema e os computadores apagaram. Mas, como o jornal tem de sair, os contínuos foram buscar a salvação no depósito. E de lá voltaram cada qual com uma Remington na cabeça, para delírio da Redação.
Coisa parecida aconteceu aqui em casa. Com o colapso no celular de Heloisa e a urgência de fazer certas comunicações, meu moribundo telefone fixo viveu sua redenção. Foi convocado e cumpriu a função para a qual o inventaram: permitir que seres humanos ouvissem a voz um dos outros.