RIO DE JANEIRO - Entre outras coisas, democracia pede responsabilidade e transparência. Voto secreto é a negação do direito individual de ter uma opinião. Antigamente, uma eleição para a Academia Brasileira de Letras era exercício digno de um ofidiário, cobras escoladíssimas que, de um lado sagravam um eleito, de outro amarguravam até a morte os derrotados. As votações sempre foram secretas, como as de Renan Calheiros no Senado.
Um general candidatou-se a uma vaga. Visitando todos os acadêmicos, obteve a promessa de uma votação unânime: 39 votos a favor, nenhum contra.
Os acadêmicos se reuniram, todos confirmaram que haviam prometido o voto ao general, mas nenhum deles pensara em cumprir a promessa. Decidiram fazer um sorteio para indicar o abnegado que, esse sim, votaria no militar -ficaria mal se não houvesse um único voto a favor dele.
Esse voto livraria a cara de todos os demais. Após a eleição, o general recebeu a visita consternada dos acadêmicos, todos se atribuíram o único voto que pingou na urna. Solidários com o derrotado, lamentaram que houvesse traidores que diziam uma coisa e faziam outra. Prometiam vagamente que lutariam por uma reforma no regimento, acabando com o voto secreto.
Aturdido, o general ficou sem saber quem realmente votara nele. Foi obrigado a agradecer a todos e a concordar que havia um justo na Academia, sendo os demais merecedores de seu ressentimento.
É conhecida a frase: votação secreta dá uma comichão para se trair, só pelo gostinho da traição. Na ABL vigora ainda o voto secreto, que vem do tempo de Machado de Assis. Mas a mentalidade, tanto dos acadêmicos como dos candidatos, mudou para melhor. No Senado, tudo continua como antes.
Folha de S. Paulo (SP) 16/9/2007