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Voluntarismo confronta tradição

 

Os três pré-candidatos mais bem colocados atualmente nas pesquisas eleitorais, partindo-se do princípio de que o ex-presidente Lula está fora da disputa, não têm estruturas partidárias fortes. Jair Bolsonaro, a caminho do PSC, Marina Silva da Rede e Ciro Gomes do PDT superam até o momento potenciais candidatos dos dois partidos que dominam a política nacional nos últimos 25 anos, PT e PSDB.

O governador de São Paulo Geraldo Alckmin perde para Bolsonaro em seu próprio Estado, nicho tucano que vem sendo desmontado pelo voluntarismo do candidato da extrema-direita. Nas regiões sul, sudeste e centro-oeste, onde os tucanos costumavam reinar, também Bolsonaro aparece bem votado, e um dissidente do PSDB abre caminho em outro pequeno partido, o Podemos.

O senador Álvaro Dias vem crescendo no sul e crava sua liderança no seu estado natal, Paraná, berço da Operação Lava Jato. Ciro Gomes domina o eleitorado nordestino na ausência de Lula, e não dá margem a que um candidato petista substitua o ex-presidente na preferência do eleitorado.

Já Marina Silva, com seu minúsculo partido que terá cerca de 1% do tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão, e a menor verba partidária de quantos disputarão a eleição, mantém-se na memória afetiva da população e aparece sempre disputando uma vaga no segundo turno, mesmo quando Lula está na parada. Afinal, já teve 20 milhões de votos em duas eleições presidenciais seguidas, o que não é de se desprezar.

Mesmo diante de todas essas evidências de que a política tradicional está sendo atropelada pela indignação das ruas, políticos tradicionais como o próprio Lula, ou até mesmo o vereador e ex-prefeito do Rio Cesar Maia, acham que a disputa final se dará mais uma vez entre petistas e tucanos, e por isso Cesar Maia desestimula publicamente a tentativa de seu filho, o deputado federal e presidente da Câmara Rodrigo Maia de abrir caminho próprio para disputar a presidência da República pelo DEM.

Maia filho será lançado esta semana, e vê uma avenida aberta para candidatos novos diante da ausência de Lula e a falta de alternativas apresentadas ao eleitorado até o momento. Rodrigo Maia não acredita na competitividade do PSDB, e muito menos de Geraldo Alckmin.

O governador tucano, no entanto, se movimenta à moda antiga, o chamam de candidato analógico em tempos digitais, fechando acordo com outros partidos da política tradicional como o PTB e PSD, da base do governo Temer. As negociações com outras legendas, como PPS e PV, estão avançadas. O objetivo é ter cerca de 25% do tempo de TV em cada bloco diário de 12 minutos, na certeza de que esse será o diferencial numa eleição em que estão em jogo cargos que dependem de acordos partidários amplos para garantir o número de votos necessários.

O único candidato fora das grandes estruturas partidárias que raciocina com elementos da velha política ainda é Ciro Gomes, que, embora descrente devido às divergências que vem tendo com a estratégia de Lula e do PT, ainda vislumbra em uma aliança improvável mesmo antes do segundo turno.

O que está em disputa são duas visões distintas da política partidária neste momento por que o país passa: as grandes estruturas partidárias lutam por manter seu espaço tradicional, enquanto as lideranças carismáticas, seja por que motivo for, jogam nas redes sociais para fomentar dissidências, que desestruturariam os acordos estabelecidos historicamente. Ciro ainda acredita que a esquerda acabará vendo nele a salvação do projeto de poder. Lula, a única liderança carismática que tem uma estrutura partidária forte, mesmo que abalada pelos escândalos, não consegue transplantar para um poste essa dupla qualificação.

É o que Rodrigo Maia quer fazer com o DEM, um tradicional parceiro do PSDB que tenta alçar vôo próprio na certeza de que o sinal será invertido: os tucanos, constatando a inviabilidade eleitoral de Alckmin, o cristianizariam em seu favor. É o que o PPS tentou fazer com Luciano Huck, comendo por dentro as bases tucanas.

 O governador de São Paulo, por sua vez, trabalha seu estilo zen, acusado de anódino pelos adversários, na certeza de que ao final ele será o aglutinador das forças do centro nacional, incluindo aí o MDB do presidente Temer. Assim como Lula acha que, ao final, será o candidato do PT que lançará, e não Ciro Gomes, o destinatário dos votos da esquerda.

O Globo, 04/03/2018