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Voltam as contrapartidas

 

A renegociação da dívida do Rio de Janeiro, que começou ontem no Rio, continuará hoje em Brasília, e ao que tudo indica a tentativa de solução passará por compromissos que o governo do Estado não conseguiu aprovar na Assembléia Legislativa, nem o governo federal aprovou na Câmara em Brasília. A decisão da ministra Carmem Lucia de atender a pedido da Advocacia Geral da União (AGU) e suspender a tramitação do processo que impediu o bloqueio de contas do Estado do Rio, tem a ver com essa renegociação em andamento. As liminares concedidas pela presidente do STF na semana passada, que garantiram o repasse de R$ 370 milhões da União ao Estado, continuam valendo, mas seus efeitos estão suspensos até que governos federal e estadual cheguem a um acordo.

Como o ministro da Fazenda Henrique Meirelles disse que “a suspensão do pagamento das dívidas é uma parte menor do ajuste necessário para o Rio”, veremos novamente questões relacionadas à diminuição de despesas e aumento de receitas sendo discutidas. 

A situação “dramática” das finanças públicas do Rio só pode ser resolvida, segundo técnicos que acompanharam a negociação, com a redução da folha salarial, que é maior do que a arrecadação.  

Um plano que “definitivamente vai resolver o problema fiscal do Rio”, como afirmou Meirelles, terá necessariamente que conter elevação da contribuição previdenciária dos servidores para 14%, no mínimo; mudanças nos regimes previdenciários dos servidores estaduais; redução de incentivos tributários; revisão do regime jurídico único dos servidores; suspensão de reajustes salariais; proibição de criação de cargos, mudanças em carreias que leve a aumento de despesas, contratação de pessoal, realização de concurso público, e medidas semelhantes, todas medidas incluídas nas contrapartidas que a Câmara não aprovou.

Essa situação de endividamento de Estados foi agravada por uma política de liberalização da Secretaria de Tesouro Nacional na época do ministro da Fazenda Guido Mantega entre 2012 e 2015, que o Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando. Segundo relatórios, a União garantiu R$ 73 bilhões em operações de crédito para os governos estaduais com rating C ou D. 

Isso foi possível devido a uma portaria editada em 10 de setembro de 2012, dando poderes ao ministro da Fazenda, em "caráter excepcional", de autorizar Estados com rating mais baixo a contratar empréstimos com aval da União.

O maior beneficiado por essas operações foi o Rio de Janeiro, que recebeu aval para R$ 6,2 bilhões em empréstimos captados no Brasil e outros US$ 660 milhões no exterior em 2013, por pressão do governador Sérgio Cabral quando sua nota era C. Com a situação fiscal piorando, a nota do Rio caiu para D, mas mesmo assim o Estado obteve novas garantias para empréstimos de R$ 8,3 bilhões.

Houve momento em que o TCU recomendou à Secretaria do Tesouro Nacional que checasse a viabilidade de pagamentos dos empréstimos, já que os cinco maiores devedores (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, e o município de São Paulo) respondiam por 85% dos haveres da União.

O resultado foi a conclusão de que seria muito pouco provável que esses Estados conseguissem quitar os respectivos saldos devedores ao final do contrato, o que está acontecendo agora. A situação é tão preocupante que o presidente Michel Temer foi visitar a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmem Lucia, no fim de semana para conversar, além da crise dos presídios, sobre as liminares que ela concedeu, seguindo jurisprudência do Supremo, impedindo que o Tesouro bloqueie dinheiro do Estado do Rio para pagamento dos empréstimos que o Tesouro avalizou.

A decisão de ontem da presidente do Supremo, de suspender o processo do Estado do Rio até que haja um acordo com o governo federal, é consequência dessa conversa no fim de semana. Caso não se chegue a um acordo e o entendimento do STF continue sendo de que não se pode bloquear dinheiro de Estados inadimplentes para que os serviços públicos continuem funcionando, o governo federal está disposto a não mais dar aval para empréstimos de governos em situação fiscal precária.

O Globo, 10/01/2017