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Vogais e questões de pronúncia

 

Estudiosa e competente professora do nosso idioma, antiga aluna de Joaquim Mattoso Câmara, que marcou lugar definitivo como o primeiro e magistral linguista de língua portuguesa, estranhou que classificássemos como ditongos, e não como hiatos, os encontros vocalicos das palavras 'dieta', 'miolos', 'miudeza', 'suéter', 'sueco', 'dual'.

Já tivemos recentemente nesta coluna ocasião para registrar a diferença de comportamento acústico das unidades vocálicas que entram na constituição dos ditongos crescentes e decrescentes, e de sua repercussão nas normas ortográficas de acentuação tônica de vocábulos do tipo de 'feiura', 'baiuca' e 'cauila', sem acentuação gráfica, ao lado de 'guaíba'.

Para os leitores que nos acompanham cumpre lembrar que ditongo crescente é aquele em que primeiro vem a semivogal (menos forte ao ouvido), seguida da vogal, que é a base da sílaba: 'ia' (glória), 'ie' fechado (cárie), 'ie' aberto (dieta), 'io' fechado (vários), 'io' aberto (mandioca), 'io' tônico fechado (piolho), 'iu' (miudeza), 'ua' (água, dual), etc. Já ditongos decrescentes são os que começam pela vogal base, seguida de semivogal: 'ai' (pai, traidor), 'au' (pau, cacau), 'ei' aberto (réis, coronéis), 'ei' fechado (lei, feito), 'eu' aberto (céu, chapéu), etc. Para simplificação, só citaremos aqui os ditongos crescentes e decrescentes orais; omitiremos os nasais.   

Todos os bons autores, neste capítulo dos compêndios gramaticais, assinalam que muitas vezes é discutível a existência de ditongos crescentes, "por ser indecisa e variável a sonoridade que se dá ao primeiro fonema. Certo é que tais ditongos se observam mais facilmente na moderna pronúncia lusitana do que na brasileira, em que a vogal (semivogal), embora fraca, costuma conservar sonoridade bastante sensível" (Said Ali, 'Gramática Secundária', pág. 17). Mattoso Câmara, mestre da nossa consulente, chega a considerar esses ditongos crescentes como 'ditongos imperfeitos'; "neles não há a rigor uma semivogal a que se segue abase, mas duas vogais de emissões débeis, quase equivalentes, o que os aproxima do caso do hiato" ('Curso  de língua pátria - Gramática' 3a e 4a séries ginasiais; pág. 126 da 3ª ed, 1953). Ainda aqui, como no artigo de 26 de junho último, em que vimos diferentes acentuações gráficas aparentemente análogas ('baiuca' e 'guaíba'), se deve lembrar que palavras com ditongos crescentes pronunciados como tais, ou como hiatos, mantêm acento gráfico determinado pelas normas ortográficas. Assim, qualquer que seja a hipótese de emissão sonora, 'miúdo' terá sempre acento graficamente assinalado. 

Outro leitor desta coluna nos indaga a razão de dizermos, com artigo, 'Moro na Barra', mas, sem artigo, 'Moro em Copacabana'. O emprego do artigo, que o latim não conhecia, envolve delicadas questões gramaticais e estilísticas, para as quais nem sempre podemos estabelecer princípios, desmentidos a todo momento. E isto não é exclusividade de nossa língua; as línguas românicas ostentam o mesmo presente de grego, de que os artistas da palavra criam maravilhosos jogos expressivos. Felizmente, a sua dúvida se circunscreve a dois substantivos, o próprio (Copacabana), e outro comum usado como próprio (Barra). A gramática nos ensina que o substantivo comum usado como próprio, como é o caso de 'Barra', quase sempre vem precedido de artigo: a Bahia, o Rio de Janeiro, o Recife, o Porto, etc. Sendo 'Copacabana' nome próprio, vem sem artigo em 'Moro em Copacabana'. 

Outro leitor nos pergunta se está correta a expressão '5º Jogos Militares', ou se se pode grafar 'V Jogos', ou ainda se existe a expressão 'Quintos Jogos'. Expressões elípticas ou sintetizadas deste tipo, frequentes na imprensa, podem equivaler a diferentes explicitações e, assim, terem diferentes redações. '5º Jogos Militares' pode valer por '5º Torneio de Jogos Militares', ou por 'Quintos Jogos Militares' (no caso, 5os), esteticamente mais bem grafado 'V Jogos Militares'. Tudo vai depender do que a expressão sintetizada quer dizer.

O Dia (RJ), 17/7/2011