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A visão heróica de Chopin

 

Sempre mantive no meu espírito as ressonâncias da obra do pianista polonês Fréderic Chopin. Com a morte prematura do escritor Luiz Paulo Horta, que foi crítico musical de O Globo, o sentimento de apreço pelo autor da “Heróica” tornou-se mais forte. Horta mantinha no mesmo plano sua admiração, também como pianista, por Bach, Bethoven, Brams, Liszt e Chopin. Uma vez, em sua casa, desafiei-o a tocar uma polonaise – e ele o fez de modo brilhante.
                                                 
Sem ser pianista, fui tocado pela vida de Chopin quando assisti, aos 10 anos, em São Paulo, no cinema Paramout, ao filme “À noite sonhamos”, de Charles Vidor. Trata-se de uma biografia, naturalmente romanceada, de um dos gênios da música universal.  Ele viveu na Polônia até os 20 anos de idade, mas devido à invasão da Rússia ao seu país fugiu para a França, onde viveu até os 39 anos de idade.  Lá ele compôs algumas das suas obras-primas e se apresentou em inúmeros concertos, enquanto a saúde permitiu.  Era frágil e consta que teria tuberculose, mas também se especula que suas seguidas crises de alucinações eram devidas a uma renitente epilepsia.
                                                  
Durante dez anos seguidos, inspirou-se no turbulento romance que manteve com a escritora Aurora Dudevant, conhecida como George Sand. Isso é muito explorado no filme citado, especialmente a passagem pela Espanha. O casal foi  para Majorca, para  fugir à notoriedade das capitais, mas ele já se encontrava debilitado. O clima úmido e chuvoso da região favoreceu o agravamento da sua tuberculose. Uma passagem do filme tornou-se inesquecível: ele toca ardorosamente uma peça e, de repente, uma gota de sangue mancha o teclado de marfim do seu Pleyel. Era o sinal de que os pulmões não estavam agüentando  aquela situação.
                                                
Chopin viveu de 1810 a 1849.  Em suas memórias, George Sand cita a viagem feita com o compositor à  Espanha, em 1838, hospedados num monastério, “cheio de terrores e incidentes”, muitos dos quais devidos  às suas desordens psiquiátricas.  Tinha estranhas visões, como a que impediu que prosseguisse num concerto que estava realizando na Inglaterra, em 1848. Foi muito criticado porque parou de tocar e deixou o palco, frustrando o público londrino.
                                                 
Pilar do romantismo na música erudita do século XIX, apesar das crises, compôs  mazurcas, polcas, valsas e  polonaises, nessas  últimas tentando mostrar a sua paixão nacionalista pelo solo pátrio. Ganhou a reputação de “segundo Mozart”.  Ao morrer foi enterrado na França, mas o seu coração, por inspiração da irmã  mais velha, foi retirado do seu corpo e colocado numa urna de cristal selada, lacrado,  até hoje  guardado  dentro de um  pilar da Igreja de Santa Cruz, na Polônia, milagrosamente  salva da destruição nazista.
                                                  
O corpo ficou no Cemitério Père Lachaise. Diante de três mil pessoas, desceu à sepultura com o Réquiem, de Mozart, e mais a Marcha Funeral da Sonata Opus 35.  Alguns dos seus amigos trouxeram punhados de terra da Polônia e colocaram junto ao túmulo, para que ele  “sentisse” eternamente a presença das suas origens.

Jornal do Commercio (RJ), 18/07/2014