Quando os Beatles estouraram, com aqueles cabelos e com a musicalidade jamais igualada pelos seus sucessores, parecia que a contestação de costumes, temas e acordes chegara ao máximo. Otto Maria Carpeaux, que não canso de citar, e que conhecia música a fundo, fez uma profecia: "Daqui a alguns anos, as músicas deles serão tocadas no salão de chá da Confeitaria Colombo."
Não deu outra. Velhinhas e velhinhos, que eram um assombro na porta da Colombo, passaram a ouvir "Yesterday" e "A hard day's night" enquanto devoravam as mães-bentas e os croquetes dos tempos do Olavo Bilac e do Emílio de Menezes.
Os contestadores da sociedade, em geral, são absorvidos pela própria sociedade. Não mudam de lado: passam a ser aceitos e aceitam novas regras de comportamento.
Já tivemos suficientes bestas negras que assustavam os padrões comportados da tradição e dos bons costumes. O mais famoso deles, um metalúrgico barbudo que era acusado de comer criancinhas, violar sepulturas e estuprar freiras, chegou a presidente da República sem necessidade de dar um tiro, de quebrar uma vidraça da embaixada dos Estados Unidos.
A besta negra que agora está de plantão é o Stedile. Falou em guerra, prometeu continuar invadindo terras, bagunçando o coreto da ordem e das instituições. Contra ele, as bocas de fogo de sempre o escolheram como alvo. Antes dele, um ex-deputado pernambucano, Francisco Julião, era acusado de ter 10 mil camponeses pintados para a guerra, com armas letais fornecidas pela China e por Cuba.
Lembro uma charge publicada num jornal conservador em que Julião, com um punhal de cangaceiro, estripava uma donzela vestida com a bandeira nacional.
O tempo absorveu o líder das Ligas Camponesas. Parece que terminou seus dias com o terço nas mãos, convertido a Deus e aos bons costumes. Vamos ver o que acontecerá com o Stedile.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 30/07/2003