Como quase todo mundo, não me entusiasmei com a eleição do novo papa. É bem verdade que nada tenho com ou contra isso. Acompanhei o caso com interesse, digamos, profissional. Mas gostei especialmente daquela alusão que Bento 16 fez logo no início de sua primeira mensagem ao mundo que o ouvia.
Ele falou na "vinha do Senhor", uma expressão bonita, antiga, pouco usada ou lembrada nos últimos tempos. Gosto sempre de citar aquela consideração de Renan sobre os Evangelhos: são encantadores autos pastoris. As imagens mais comuns são de ovelhas, videiras, apriscos, pastores, searas, falam do trigo e da messe, do vinho e da vinha -das coisas comuns do homem comum daquele tempo.
Para a maioria dos observadores, católicos ou não, ele ganharia ponto se falasse na "sociedade". Ou seja, uma aglomeração de cidadãos, não de homens. Ao falar na vinha do Senhor, lembrou aos que crêem em Deus que ela não é dona de si própria, tem um dono. Além do mais, é uma imagem bonita em si mesma.
Quanto à cobertura que a mídia deu à eleição do novo papa, achei estranha não a cobertura em si, que, tecnicamente, tinha de ser feita, pois se tratava de um acontecimento de dimensão mundial. Achei inexplicável a torcida que promoveu, tanto em termos ideológicos e políticos como de orgulho nacional, na base das "nossas cores". Alguns textos pareciam a cobertura de um Oscar na Academia de Hollywood, quando há sempre um filme nacional que vai ganhar porque chegou a nossa vez.
Estranho também a quantidade e o volume dos palpites. De minha parte, acompanhei curiosamente e até afetivamente os acontecimentos, mas sem pisar fundo. Não me meteria na eleição de um novo dalai-lama, de um grande arquimandrita, de um novo lorde do selo, de um presidente da Fifa. A última coisa do mundo que me emocionaria é a opinião do patriarca de Alexandria sobre a camisinha.
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/04/2005