RIO DE JANEIRO - "Era gente sem perna, parecia um filme". Foi a manchete de um jornal no dia seguinte ao desastre de caminhões em Santa Catarina, na última quarta-feira. Em setembro de 2001, eu estava no aeroporto de Curitiba, um sujeito chamou minha atenção para a televisão, exclamando admirado: "Nunca vi um filme como este!". Olhei e também ia concordando com o desconhecido quando notei que estávamos vendo o atentado ao World Trade Center.
Em 1895, quando exibiram na parede de um café de Paris a chegada do trem de Vincennes, a primeira imagem em movimento que a técnica da época produzira, o comentário foi mais ou menos o mesmo, só que não parecia um filme, mas a realidade.
Não parece, mas cento e tantos anos depois, a questão inverteu-se: a realidade é que parece filme, e o filme fica parecendo a realidade. Um sintoma bom para o cinema, péssimo para a vida. Feitas as contas, ficamos no eterno dilema da galinha e do ovo: quem veio primeiro, a galinha ou o ovo?
A diferença é que galinha e ovo são contemporâneos, vieram ao mesmo tempo, existem desde que existem galinhas e ovos. Já a realidade é bem anterior ao cinema, mas, pouco a pouco, estão se aproximando de tal forma que se confundem. Quem habitualmente lê jornais ou assiste a noticiários da TV não devia se entusiasmar e muito menos se escandalizar quando entra num cinema e vê cenas inspiradas ou copiadas da violência nossa de cada dia.
Volta e meia, aparece um filme cujo letreiro inicial avisa que a história a ser vista é verdadeira, tirada da vida e de personagens reais. Afinal, o que importa? Mais emocionante é quando na vida real surge um filme como o que estamos assistindo com locação em Brasília e com personagens da vida real.
Folha de S. Paulo (SP) 14/10/2007