A prisão do ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques por tentativa de sabotar a ida de eleitores do Nordeste para votar, a fim de prejudicar Lula, vem no dia seguinte ao depoimento cínico do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que, de tornozeleira, garantiu não ter tramado o bloqueio de estradas no dia do segundo turno da eleição presidencial.
Quem ouviu o depoimento de Torres, se não o considerar cínico, poderia classificá-lo de incompetente. As investigações estão mostrando que é simplesmente um mentiroso. Disse que viajou às vésperas da rebelião do dia 8 de janeiro sem ter a mínima noção de que caravanas de bolsonaristas se dirigiam a Brasília para uma grande manifestação. Apesar de ter sido nomeado secretário de Segurança do Distrito Federal dias antes e de ter recebido relatórios sobre a possível gravidade da situação.
Tanto que disse ter aprovado um plano de segurança que considerou exagerado, mas ter aceitado a sugestão dos subordinados. Dias antes, havia sido desbaratada uma tentativa de explodir uma bomba no aeroporto de Brasília, indicando que os inconformados com a vitória de Lula se mobilizavam.
As redes sociais explicitavam a convocação para uma grande manifestação em Brasília para o dia 8 e, mesmo assim, o secretário de Segurança do Distrito Federal foi visitar o Mickey. Na Disney, não sabia do que estava acontecendo em Brasília, perdeu o celular e ficou por lá, mesmo depois de saber.
Quando esteve em Salvador para uma reunião fora da agenda com os diretores da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, disse ele, o motivo principal foi a vistoria de uma reforma na sede da PF. Coincidentemente, as forças policiais no Nordeste foram mobilizadas para bloqueios de estradas, cujo objetivo oficial era garantir a ida de eleitores às urnas, mas que na prática teve o efeito contrário.
Os bloqueios só pararam quando, convocado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, Vasques foi ameaçado de prisão. As investigações estão chegando ao fim, com a definição completa dos que financiaram e dos que realizaram a tentativa de golpe.
Os depoimentos nas CPIs de maneira geral, que se repetem nesta CPMI dos atos golpistas, não trazem revelações importantes. A mais recente, das únicas a conseguirem obter novidades nos depoimentos, foi a CPI da Covid, que revelou esquemas de venda de vacinas e maracutaias diversas no Ministério da Saúde.
Não é possível tomar alguma atitude com base nos depoimentos dos envolvidos na CPMI do 8 de janeiro, porque eles negam até as coisas mais óbvias. Em seu depoimento, Torres afirmou que não sabe de nada, que não imaginava que a mobilização de 8 de janeiro fosse tomar o tamanho que tomou e que nem sabe como a minuta de golpe foi parar na sua casa. O depoimento dos envolvidos será sempre nessa base do “não sabe nada” ou do silêncio.
As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, e correspondentes apurações, é que permitem conclusões. Certamente haverá um parecer da CPMI confrontando alguns fatos de conhecimento público, mas ele não será fundamental. Ela pode ter sucesso, sim, analisando documentos, como já descobriu os diálogos do tenente-coronel Mauro Cid para vender um Rolex incrustado de brilhantes, presente digno das Arábias.
Nesse ponto, pode dar certo, indo atrás dos documentos, como foi o caso da CPI sobre as falcatruas do ex-presidente Collor. Foi por meio de pesquisas em bancos que chegaram à compra do Fiat Elba, com dinheiro de um dos fantasmas inventados por PC Farias para encobrir a corrupção que ocorria.