Assisti a alguns debates dos presidenciáveis. Houve agressividade de parte a parte, mas ninguém beijou a lona. O conteúdo era chato, e meu pensamento resvalou para outras coisas. Na véspera do acidente que levou o Titanic para o fundo do oceano, houve uma reunião no salão nobre do navio a fim de se escolher a cor que deveria predominar no baile que os passageiros estavam programando para a noite anterior à chegada ao porto final. Ignoro se houve primeiro turno.
Havia dois grupos: um a favor do amarelo, outro a favor do verde. Registrou-se um empate técnico. Chamaram o comandante do navio para desempatar. Àquela hora, seguramente, o iceberg que arrebentaria o navio já estava em rota de colisão com o casco do Titanic. O comandante ficou em cima do muro: os passageiros podiam vir de amarelo ou de verde.
Não sei se o intróito desta crônica tem mesmo a ver com o que desejo comentar. Nasci nu, como todo mundo, mas, antes mesmo dos primeiros abrolhos pela vida afora, vesti-me de pessimismo. Sei, o pessimismo é inútil, conheço todas as frases que o condenam, inclusive aquela: o otimista pode perder, mas o pessimista já começa perdendo.
Faço as duas introduções -a do Titanic e a do meu pessimismo- para declarar diante da nação e do povo que o pior nos espera. Marchamos para o segundo turno, perdemos tempo discutindo entre Alckmin e Lula, mas, de algum ponto da noite, o monumental iceberg já se desprendeu de sua geleira e caminha, silenciosamente, em nossa direção. Nada vai dar certo, com este ou com aquele vencedor. E a culpa não será exatamente deles, esforçados candidatos àquilo que antigamente chamavam de curul presidencial (não estou certo, mas acho que, embora pareça palavrão, curul significa cadeira mesmo).
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/10/2006