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A verdade na política

 

Teve o chefe do Judiciário paraibano, Desembargador Marcos Antonio Souto Maior, a excelente idéia de, em comemoração aos 111 anos do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, organizar um seminário sobre seis paraibanos ilustres na palavra de seis membros da Academia Brasileira de Letras.


Assim, em dois dias de auditório cheio, Alberto da Costa e Silva falou sobre Augusto dos Anjos, Arnaldo Niskier sobre João Lyra Filho, Carlos Heitor Cony sobre José Lins do Rego, Murilo Melo Filho sobre Assis Chateaubriand, Nélida Piñon sobre Pedro Américo. Quanto a mim, dei à minha conferência o título de "José Américo e a verdade na política".


Lembrar José Américo é rever e reler toda uma larga e tormentosa faixa da vida brasileira.


Fixemo-nos em 1938, ano que abalara a literatura brasileira. O principal motivo desse abalo fora o lançamento de "A bagaceira", de José Américo, mas também na poesia houvera novidades: a "Nega Fulô" de Jorge de Lima e a poesia de Augusto Frederico Schmitd.


Estava eu no Seminário Católico de Belo Horizonte, dentro de minha batina de seminarista, quando um dos professores, um padre jovem e cheio de convicções, falou sobre um livro que fazia muito sucesso no país, chamado "A bagaceira", que, para ele, era o oposto da boa literatura. Num dos próximos dias de folga, adquiri "A bagaceira" numa livraria da cidade. Lendo-o, foi como se um novo horizonte se tivesse aberto para mim.


Pensei: "Então, pode-se escrever assim também, pode-se dizer a verdade sobre as coisas". O que primeiro me surpreendeu foi exatamente isto: não era mais preciso esconder a realidade atrás de uma linguagem que eu identificava como "desconversa". Ali estava um escritor que não "desconversava".


Menos de um ano depois, tal como José Américo do começo do século, saí do seminário, abandonei a batina e fui ser professor no Rio de Janeiro. Estava nos dezessete anos de minha idade. O ambiente político pegava fogo. Junto com outros jovens da Praça Saenz Peña, onde eu morava, fui ao comício de José Américo na Esplanada do Castelo, onde ouvimos a frase famosa, que nos empolgou: "Eu sei onde está o dinheiro".


O candidato sabia onde estavam os recursos para fazer o Brasil avançar, gritávamos e aplaudíamos, o Brasil tinha um futuro. Na manhã de 10 de novembro quando peguei um ônibus para o ginásio onde eu ensinava - e que não teve aulas naquele dia - a presença de soldados nas ruas e praças nos dizia que, mais uma vez, teríamos de esperar.


E a espera terminou em 22 de fevereiro de 1945, com uma entrevista de José Américo a Carlos Lacerda que, saída no "Correio da Manhã", tornou a por o país de pé. Suas primeiras palavras foram então:


"Nesta hora não me nego a falar. Ao contrário, julgo chegado o momento de todos os brasileiros opinarem. Esta é uma hora decisiva que exige a participação de todos no rumo dos acontecimentos".


Estava ele então de novo no âmbito da verdade. Carlos Lacerda descreve a cena: "... baixando um pouco a cabeça para falar, num jeito modesto e tímido, mas inexorável de dizer as suas verdades, é indisfarçável a emoção com a qual ele se dirige à opinião brasileira".


Do ponto de vista literário, "A bagaceira" completou "OS sertões", de Euclides da Cunha. E anunciou todo o ciclo de José Lins do Rego, o "Calunga" de Jorge de Lima, as "Vidas secas" de Graciliano e o mundo grapiúna de Jorge Amado.


Sua presença no executivo federal foi de absoluta fecundidade e inventividade. Por acaso, fui nomeado pelo Presidente Café Filho diretor do Serviço de Documentação do Ministério da Viação imediatamente depois de o Ministro José Américo haver deixado aquela pasta. Fiquei, assim, responsável pelos documentos e publicações do então MVOP. O que lá encontrei, feito por José Américo, foi da melhor qualidade.


Seu volume "O ciclo revolucionário do Ministério da Viação" era perfeito como plano e como levantamento de tudo o que fosse necessário para a realização do que se planejava. Mostrava, antes de tudo, um perfeito conhecimento do Brasil no setor de obras, de transportes e de comunicação.


Sabe-se que o menino é o pai do homem. Com ou sem a "Madeleine" de Proust, vamos todos à infância nos momentos decisivos ou, às vezes em qualquer momento, sem que o distinga coisa alguma. Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, informa José Américo ter tido à mesma fonte. Usa estas palavras: "Direi agora como me fiz romancista". E continua: "Foi uma fuga, evadindo-me de minha austeridade, para um espetáculo profano. Estabeleci outra convivência, imaginária, livre de compromissos, como uma desintegração. Procurando ser natural, regressei às impressões da infância que devolveu elementos nativos, para engajar na minha estória.


Falo do José Américo político sem esquecer o escritor. Um completa o outro. Um acaba sendo o outro. Com o meu entusiasmo diante do comício pró-José Américo na Esplanada do Castelo, nas vésperas da implantação do Estado Novo, lamento ainda hoje não termos tido o Presidente da República que merecíamos naquele momento, quando o mundo caminhava para um conflito geral e quando precisaríamos de uma democracia que nos conduzisse através das dificuldades que surgiriam, como surgiram, de 1939 em diante.


Em seu discurso de São Paulo, terminado o regime de exceção de Getúlio Vargas, José Américo disse: "Já não tenho amigos nem inimigos. Sou amigo do Brasil. Digo as suas verdades".


Nesta hora de transição, precisamos adotar o lema que marcou a presença de José Américo de Almeida na vida brasileira: a verdade na política.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 23/10/2002

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em, 23/10/2002